O último mergulho
Letícia Tórgo é escritora, tradutora e produtora cultural
A temperatura das últimas semanas estava de matar. As vendas de ventiladores na Canadian Tire dispararam. O horário das piscinas, estendidos até segunda ordem. As “praias de água parada”, nem todas próprias para banho, lotadas.
No centro da cidade, havia uma espécie de mal-estar nas ruas, como se cada pedestre estivesse vivendo uma batalha particular para chegar em casa, tomar uma ducha gelada e esquecer o vapor que subia do asfalto por suas canelas. Alguns entravam de tempos em tempos, no Tim Horton’s, que já estava com o ar condicionado a todo vapor. Café? Não, obrigado.
Aqueles que chegaram há pouco estavam surpresos. Eles sempre acreditaram que a tal história do “calor canadense” era mito. “Exagero de brasileiro.” Estavam tão preparados para o inverno que simplesmente não conseguiam pensar sobre o que estava acontecendo. Calor. Monumental calor.
Já para os mais antigos, o clima era de festa. Hashtag verão. Depois de mais de cinco invernos no Norte, eles valorizavam cada gota de suor que teimava em percorrer a espinha como um elixir dos deuses. Uma poção mágica. Um portal secreto para o paraíso.
Mas todo Carnaval tem seu fim e por aqui não seria diferente. Era um domingo qualquer de céu azul. O sol brilhava lá fora. Pela janela, a impressão era clara: mais um dia quente pela frente. Mas algo havia mudado de repente. Uma pequena brisa. “Uma brisinha”, alguns diriam. Não era mais aquela brisa quente. Ela até parecia refrescante depois de tantos dias de calor intenso. Mas não era só isso. Era um prenúncio. O início do fim.
A menina do centro de informações já havia mudado o figurino. Ela e seu casaquinho leve estavam prontos para sorrir para os turistas em seus moletons vermelhos. O rapaz que entrou na Dollarama para comprar papel alumínio e esponja de cozinha respirou fundo quando passou pelo corredor número seis: folhas de outono decorativas. Vermelhas, laranjas e amarelas. Afinal, quem precisa delas?
E assim como acontecia todos os anos, para alguns pela primeira vez, para outros um déjà vu, o verão estava perto do fim. Será que ainda dá tempo para um último mergulho?
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