Como enlouquecer os canadenses

Difícil explicar nossos longos nomes e sobrenomes para um norte-americano

Foto: Michael Schwarzenberger.

José Francisco Schuster é colunista do Jornal de Toronto

Antes que você imagine que, pelo título, você vai rolar de rir até o final do texto, tirando sarro dos canadenses, lembro que pela lei do universo, tudo retorna. Assim, você pensa que irá tirar lã, mas sairá tosquiado, pois os canadenses o enlouquecerão de volta. E vai ser de chorar.

Explicando, vamos falar de diferenças culturais que os canadenses (mas também os estado-unidenses) têm que absorver, neste caso específico, dos latino-americanos, europeus e demais falantes do português ou do espanhol. Porém, o fato é que estamos na casa deles, e se eles ficam perdidos com as diferenças, a corda acaba rebentando em nós, que precisamos de seus serviços.

A história é a seguinte: o inglês é uma língua sintética, de palavras curtas. Coloque o texto em inglês ao lado da tradução em português ou espanhol, e até do francês – este também língua oficial do Canadá – e veja a diferença de tamanho! Enquanto o inglês é uma linguagem meio telegráfica, nós deliramos com o nosso “inconstitucionalissimamente”. O português e o espanhol fazem a alegria de advogados e políticos, permitindo esticarem seus discursos palavra a palavra, para que soem mais pomposos.

O fato é que essa cultura, para um lado e para o outro, se estende aos nomes próprios. Em inglês, se adora que o nome de uma pessoa seja monossilábico, sendo o ideal que tenha três letras – nem que para isso se use o apelido. Aliás, se no Brasil o nome social é usado basicamente pela comunidade LGBTQIA+, aqui se adota para utilizar apelidos até em documentos. Então, você encontrará até nos documentos de identidade e bancários Rob, para Robert, Leo, para Leonard, e Sue, para Susan. Quatro letras ainda topam, como Paul, Mary ou Mike, para Michael, mas o sonho de consumo é ter apenas duas letras, como Ed, para Edward, mesmo que também seja a abreviatura do pavor dos homens (Erectile disfunction).

Aí chega o imigrante latino-americano, que gosta de nomes longos para parecer mais chique, como Maria da Consolação. O canadense enlouquece! Imagine, 17 letras em um nome. E dois espaços! E uma preposição! Eles jamais imaginam preposições em nomes próprios. Aí, rola uma pressãozinha, especialmente na escola, para te americanizar, como diria a Carmem Miranda. A Maria da Consolação muitas vezes vira simplesmente Connie. Muitos entram nessa, mas outros são zelosos de suas raízes. Conheci uma portuguesa chamada Cidália que se negou a que seu nome fosse trocado para Sandy ou Cindy, obrigando-os a se acostumarem com algo que não soa bem em inglês.

Por outro lado, especialmente orientais, até fazem questão de usarem um apelido em inglês, para fins de serem assimilados culturalmente. Convenhamos que em uma pilha de currículos, Paul Ling chamará mais a atenção do que Xing Ming Ling, embora se trate da mesma pessoa. Dá a ideia de que já é segunda ou terceira geração no Canadá e, assim, menos “problemático”.

Bom, aí chegamos nos sobrenomes. A primeira coisa a considerar é que temos o costume de colocar em ordem alfabética pelo primeiro nome. Assim, o listão do vestibular vai de Abel a Zuleika. Lembro que o meu pai teve até o cuidado de escolher para mim e meu irmão nomes pelo meio do alfabeto, para não sermos dos primeiros, nem dos últimos, a ser chamados nas temidas provas orais que existiam.

Aqui, entretanto, a ordem alfabética é pelo sobrenome. E aí caímos no mesmo problema: os latinos adoram ter mais de um sobrenome, tanto para incluir os sobrenomes da mãe e do pai como para mostrar que vem de uma família que tem ou teve poder ou dinheiro – mesmo que hoje esteja falida. Dom Pedro II tinha 15 nomes! “Já existia essa ideia de criar códigos para justificar e legitimar que um membro da realeza não era normal, mas sim dotado de algo especial”, afirmou a historiadora Gisele Gellacic. A moda meio que segue até hoje, sendo um orgulho para parte dos paulistas, por exemplo, ter sobrenomes quatrocentões.

Mas como o canadense vai colocar em ordem alfabética quem tem mais de um sobrenome, algo impensável para eles? Para piorar, com preposição! Para o exemplo, vamos ficar com Milton Silva Campos do Nascimento e Gal Maria da Graça Penna Burgos Costa. O canadense não sabe por qual sobrenome colocar em ordem, e aí cada lugar usa seu critério próprio. A preposição é a cereja do bolo: não sabem o que fazer com ela. Muitas vezes, acaba encostada no próximo sobrenome (what?). Assim, eu via um anúncio em jornal de uma dentista brasileira nos Estados Unidos que tinha o sobrenome Desa. Eu achava muito esquisito. Só quando vi a propaganda na TV entendi que o sobrenome era “de Sá”.

Portanto, o Milton Silva Campos do Nascimento pode acabar arquivado no S, no C, no D ou no N, enlouquecendo os brasileiros! Estive em um consultório médico e liguei no dia seguinte para o retorno, como pediram. “Não encontramos sua ficha, acho que o senhor ligou para o consultório errado”, disse a recepcionista. “Mas como, eu estive ontem aí!!!”, retruquei. Depois de muito ficar pendurado no telefone, deram-se conta de que tinham me arquivado por outro sobrenome meu.

E sobrenomes hispanos? Se para nós já é complicado, para canadenses, pior! Eles adotam o sobrenome do pai primeiro (e o consideram seu sobrenome oficial) e o da mãe depois. Aí sim, que vira o tango do hermano doido! Passam igualmente o mesmo perrengue que os brasileiros, repetindo a história já vivida pelas comunidades imigrantes de portugueses e espanhóis.

Pois é, pensou que ia rir, mas agora está de lencinho…

Sobre José Francisco Schuster (80 artigos)
Com quase 40 anos de experiência como jornalista, Schuster atuou em grandes jornais, revistas, emissoras de rádio e TV no Brasil. Ao longo dos últimos 10 anos, tem produzido programas de rádio para a comunidade brasileira no Canadá, como o "Fala, Brasil" e o "Noites da CHIN - Brasil". Schuster agora comanda o programa "Fala Toronto", nos estúdios do Jornal de Toronto.

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