Brasil 200 anos: quem somos e para onde vamos

Sobre o Brasil idealizado no imaginário coletivo dos brasileiros e suas realidades

Pedra do Arpoador, no Rio de Janeiro. Foto: Alobos Life.

André Oliveira & Rodolfo Marques são colunistas do Jornal de Toronto

No livro Brasil, Um País do Futuro, Stefan Zweig, o talentoso escritor judeu austríaco, que fugira da Europa atormentada pelos totalitarismos nos anos 1940, enaltece nosso país como uma civilização pacífica, feliz e exemplar em contraste com o chamado “velho continente”.

Zweig afirma no livro que “o Brasil parece-me ser um dos países mais exemplares e amáveis do mundo. É um país que odeia a guerra, e mais: que praticamente a desconhece”. O Brasil idealizado de Zweig como uma civilização pacífica que apontaria o caminho a ser seguido pelas demais nações espelha o país tranquilo daquela época, mas reverbera igualmente um mito que subjaz no imaginário coletivo dos brasileiros e dos demais povos latino-americanos. Trata-se do mito segundo o qual não importa o que façamos sempre teremos à nossa disposição uma natureza exuberante, recursos naturais praticamente infinitos que incluem as preciosas commodities, um espírito alegre jamais visto em outros lugares, uma autêntica democracia racial etc. Esse raciocínio se escora ainda na convicção de que, se não atingimos o modelo ideal visualizado por Zweig, isto decorre, em larga medida, da opressora colonização portuguesa que nos legou o que somos hoje.

Hoje sabemos que nossa natureza pode ser – e está sendo – devastada; que os recursos com valor econômico são escassos; que – na contramão do sonho desenhado por Zweig – não somos uma democracia racial; e, não menos importante, que não cabe mais apontar a colonização lusitana como a razão principal do nosso atraso econômico e político-institucional.

Faz parte do processo de amadurecimento identificar as próprias limitações e reconhecer que, apesar de belo, gigantesco e com enorme potencial, o Brasil não será o “paraíso” na Terra, a civilização pacífica e alegre que iluminará a trajetória das demais nações. Afinal, completamos 200 anos de independência, tempo suficiente para parar de lamentar pelo passado colonial e instituições políticas burocrático-patrimonialistas que foram, de fato, legadas, bem como imaginar que nossa trajetória supostamente singular nos permite carnavalizar as relações institucionais – o chamado “jeitinho brasileiro”, como definiu o antropólogo Roberto da Matta.

Um caminho para se lograr um Brasil melhor – sim, é possível – poderia começar com a busca de consensos mínimos como, por exemplo, aceitar as regras do jogo democrático, preservar nossos limitados recursos, em especial a Amazônia, e proteger os socialmente vulneráveis. Neste último caso, todos os partidos políticos parecem defender a necessidade de se adotar políticas públicas que erradiquem a miséria ou, quando menos, atenuem a pobreza. Não é, por óbvio, uma agenda extensa e tem a vantagem de ser factível.

Enfim, não nos tornamos a civilização modelar imaginada por Zweig, mas, se porventura não soubermos para onde vamos, não custa olhar para o antigo mito – não para lamentar o que poderíamos ter sido, mas para buscar inspiração para o quê, com maturidade, ainda podemos ser.

Sobre André Oliveira & Rodolfo Marques (37 artigos)
André Oliveira (à esquerda) é advogado com especialização em Direito Público, doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco e membro da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) desde 2009. Rodolfo Marques é analista judiciário, publicitário e jornalista; Mestre (UFPA) e Doutor (UFRGS) em Ciência Política, e professor de Comunicação Social na Universidade da Amazônia e na Faculdade de Estudos Avançados do Pará.

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