Pra navegar de peito aberto

“Ter percebido que a minha história importa me dá confiança de ser eu mesma”

por Daniele Moraes

Ela tem apenas 25 anos. Eu me pego sempre repetindo essa frase. E, logicamente, me pergunto: como pode? Sinto uma mistura de incredulidade com uma pontinha de inveja. Como alguém tão jovem, e pouco experimentada pelo tempo, pode ser capaz de olhares tão profundos?

Descubro um detalhe importante de sua biografia. Tamara Klink escreve diários desde os oito anos, quando fez uma viagem para a Antártida com a família e, a pedido da sua mãe, teve como compromisso levar um caderno e fazer registros todos os dias; o que a levou, desde então, a perceber que ela própria tinha uma história.

“Ter percebido que a minha história importa me dá confiança de ser eu mesma. Se tudo der errado, se eu tenho medo, eu apenas imagino que esse dia será escrito e me torno muito mais forte quando imagino que aquele momento faz parte de uma história”, ela contou sobre sua relação com a escrita.

À primeira vista, o diário de bordo de uma navegadora jovem, criada em uma família privilegiada e com acessos e facilidades potenciais, pode não parecer assim tão curioso. Que desafios ou superações alguém aparentemente com tantos recursos – materiais e subjetivos – precisou enfrentar? Para ela, deve ter sido fácil, talvez julguemos. Até que você começa a ler e descobrir ali não somente uma velejadora experiente, mas uma escritora que faz desta aventura pessoal e corajosa de desbravar o mar sozinha uma jornada a cruzar palavras e poesia.

Tamara Klink e seu Mil Milhas – livro que conta sobre o primeiro passo de um caminho bonito que tempos depois terminou numa travessia em solitário pelo Atlântico – é um reencontro e uma promessa. Em suas linhas, enxergamos desejos e ânsias, conquistas e provações. Nas entrelinhas, experimentamos as faltas, o vazio, o incerto, o medo e a confiança. Um livro que fala de ser mulher no mundo, desde sempre, mas não mais como sempre. Um livro que fala de liberdade e autoconfiança. Que fala de uma filha, uma neta e uma irmã, fruto de outras travessias, de muitos silêncios, ecos e singularidades.

A escrita, que também foi embarcação, feita toda à mão e a lápis, para que a água salgada não borrasse as memórias, foi bússola, referência de si, caminho percorrido. Velejar pelo Mar do Norte, entre Ålesund, na Noruega, e Dunquerque, na França, com Tamara é embarcar também numa jangada interior com destino direto ao coração, e com direito a se perguntar: qual será meu próximo porto?

Mais do que um registro de uma viagem audaciosa e peculiar, Mil Milhas é um convite para adentrar sentimentos de crescer e romper limites auto-impostos. É sentir de perto o surgimento de uma mulher doce e valente. É perceber que tudo pode acontecer no meio do nada, chamado horizonte, ainda que saibamos que ela aportará na França. Mas como? Sob quais correntes, ventos e tempestades? Viva? Sim. Inteira, quem sabe? A mesma? Jamais.

No fim, descobrimos – e isso não é spoiler – que a viagem só existiu porque foi contada. E a dona da história é, sim, uma narradora jovem, mas que de alguma maneira ainda navega dentro de qualquer uma de nós.

Daniele Moraes é escritora, jornalista e colunista da Revista Claudia.

Para adquirir o livro Mil Milhas, de Tamara Klink, no Canadá, clique aqui; para compra no Brasil, clique aqui.

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