O paradoxo do combate à pandemia
André Oliveira & Rodolfo Marques são colunistas do Jornal de Toronto
Nas últimas semanas de março de 2021, a pandemia produzida pelo vírus da Covid-19 alcançou proporções apocalípticas no Brasil, em grande parte em razão da atuação controversa do presidente Jair Bolsonaro. O país chegou à impressionante marca de 300 mil mortos e, a rigor, nenhuma das 27 unidades da Federação apresenta um quadro de desaceleração do surto de Covid-19.
Desde o início da pandemia, em março de 2020, replicando o exemplo do então presidente estadunidense Donald Trump, Bolsonaro investiu contra as medidas sanitárias, especialmente o isolamento social, argumentando que afetaria a economia de modo exponencial. Em lugar disso, defendeu a adoção da cloroquina e da hidroxicloroquina, medicamentos cuja eficácia contra o vírus da Covid-19 restou inconclusiva pela comunidade científica.
Mesmo antes do advento da variante amazonense do vírus, o Supremo Tribunal Federal (STF) já havia decidido que Estados, Municípios e o Distrito Federal possuíam autonomia para adotar medidas sanitárias mais duras sem retirar, todavia, a responsabilidade do Executivo Federal pela coordenação do combate nacional à pandemia. Seguiu-se daí um turbilhão de atritos, velados ou abertos, entre o presidente e alguns governadores que decidiram pela adoção pontual do isolamento social ou, no limite, do lockdown.
Pressionado pelo número crescente de mortes e pelo consequente colapso de vagas e insumos no sistema hospitalar, Bolsonaro trocou o ministro da Saúde e foi à televisão declarar que haverá vacina para todos, mas, sintomaticamente, não defendeu o distanciamento social ou o lockdown como medidas necessárias para fazer a pandemia regredir a níveis aceitáveis.
Bolsonaro enfrenta um claro paradoxo: se passar a defender as medidas sanitárias mais rigorosas, restará claro que se equivocou desde o início; se insistir em ignorar os efeitos deletérios da pandemia, corre o risco de ser responsabilizado pelas mortes e, na esteira da tragédia coletiva, pode perder a base de apoio no Congresso Nacional – fidelidade irrestrita não é a maior virtude do Centrão como bem sabe, por exemplo, a ex-presidente Dilma Roussef.
Entre tantas contradições, a aposta do governo Bolsonaro parece recair agora na vacinação em massa, o que cessaria a espiral de mortes e permitiria a retomada do crescimento econômico. Todavia, improvisação e voluntarismo na corrida pelas vacinas evidenciam a falta de planejamento anterior na aquisição dos imunizantes. Por seu turno, o Centrão acredita que, havendo vacinação massiva, o eleitorado se sentirá grato ao governo, pavimentando, assim, o caminho para a reeleição de Bolsonaro em 2022, como sinalizou o senador Ciro Nogueira (Progressistas/PI), em recente entrevista à Folha de São Paulo.
O certo é que o presidente Bolsonaro perdeu a oportunidade de unir o país na luta contra a pandemia – é o que a ciência política chama de “reagrupamento em torno da bandeira” (“rally ‘round the flag effect”) como fez, por exemplo, o presidente George W. Bush após os ataques de 11 setembro de 2001, o que poderia lhe permitir eventualmente até mesmo expandir os poderes presidenciais, alegando a excepcionalidade da situação. Todavia, como diz o adágio chinês, três coisas nunca retornam: a flecha lançada, a palavra proferida e a oportunidade desperdiçada.
Foto de Gustavo Basso www.gustavobasso.com
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