O racismo para além do indivíduo

Brasileiros que nunca foram afetados pelo racismo, e que portanto nunca o enxergaram, começam a refletir sobre esse problema.

Foto: Guilherme Holanda.

Jananda Lima é designer de inovação social

Os protestos após a morte brutal de George Floyd – homem negro que foi estrangulado por um policial que se ajoelhou em seu pescoço durante uma abordagem – ecoaram não só nos Estados Unidos, mas em diversas partes do mundo. No Brasil esse tipo de morte, causada pelo que chamamos de racismo estrutural, acontece todos os dias. O espaço que a luta antirracista ganhou em todos os canais de comunicação por meio do movimento Black Lives Matter está contribuindo para que brasileiros, que nunca foram afetados pelo racismo, e que portanto nunca o enxergaram, comecem a refletir sobre esse problema.

Desde a colonização portuguesa uma série de decisões contribuíram para a perpetuação do racismo estrutural no Brasil. O país foi onde mais desembarcaram africanos escravizados no Ocidente – para se ter uma ideia, foram 4,86 milhões comparados aos 300 mil nos Estados Unidos, que vêm em segundo lugar. Também foi o último país a abolir a escravatura. Naquele momento, não houve nenhuma elaboração de políticas públicas para lidar com as pessoas recém libertas e, ao contrário das políticas de segregação racial explícitas dos Estados Unidos, no Brasil se criou leis que veladamente reprimiam a população negra. Um exemplo é a Lei da Vadiagem, que encarcerava quem estivesse ocioso. É importante lembrar que após a abolição o governo iniciou uma campanha para “embranquecer” a mão de obra e criou incentivos para que europeus migrassem para o Brasil, deixando milhões de ex-escravizados desempregados e, portanto, sujeitos a irem presos por vadiagem. O reflexo direto desses fatos é que hoje, além de o Brasil ser o terceiro do mundo em população encarcerada, a maioria dos encarcerados é negra. Acabamos acostumados a ver os negros nessa posição e a naturalizar, por exemplo, espaços de liderança sem a presença de pessoas negras.

Todos nós imaginamos sermos bons, tornando doloroso o processo de busca da consciência racial, mas fazer essa revisão crítica de si e do mundo é um processo muito construtivo. Em vez de nos utilizarmos de argumentos como “não sou racista, tenho até amigos negros”, que recorremos para nos autoafirmarmos, temos que lembrar que a falta de reflexão sobre o problema do racismo contribui ativamente para a perpetuação do racismo estrutural.

Foto: Thiago Lima.

Quando não precisamos pensar em nosso lugar social, torna-se difícil enxergar a desigualdade racial; portanto, não basta não ser racista, precisamos ser ativamente antirracistas e, em vez de nos sentirmos culpados, devemos nos responsabilizar pela mudança – aja, busque mais informações, leia autores negros e repense seus espaços. Ao consumir, e ao votar, reflita sobre que tipo de valores está reforçando. Abraçar esse incômodo é conhecer a si mesmo. Como diz o filósofo: “Quanto mais me dou à experiência de lidar sem medo, sem preconceito, com as diferenças, tanto melhor me conheço e construo meu perfil”.

Ouça também o episódio do podcast “Conversa Fora” em que Jananda Lima, Alexandre Dias Ramos e Nilson Peixoto conversaram mais sobre esse assunto:

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