Em tempos de polarização extrema, cabe perguntar: afinal, o que é política?

Parece haver pouco espaço para as forças e opiniões políticas mais ao centro do espectro ideológico.

Ágora.

André Oliveira & Rodolfo Marques são colunistas do Jornal de Toronto

O Brasil vive uma polarização política extrema, opondo o bolsonarismo ao lulismo, de modo a deixar pouco espaço, ao menos até aqui, para as forças e opiniões políticas mais ao centro do espectro ideológico.

A polarização é perceptível nas redes sociais com repercussões, no convívio das famílias brasileiras, em menor ou maior medida. As redes sociais, em especial, apresentam-se como um espaço de permanente luta, uma espécie de guerra de trincheiras virtual, produzindo, não raro, fake news, ao mesmo tempo em que servem para mobilizar grupos para manifestações de rua ou em outros espaços de representação. A proliferação hiperbólica de informações e embates, no ambiente virtual e/ou familiar, suscita outra vez a indagação sobre qual é o lugar da política no tempo presente.

Na literatura em Ciência Política, há dois grandes campos teóricos que definem a política de modo distinto. O primeiro campo define a política a partir de uma concepção minimalista, tendo como uma de suas referências essenciais a contribuição teórica do austríaco Joseph Schumpeter. Para ele, a democracia teria uma natureza meramente instrumental, resumindo-se à possibilidade periódica que os eleitores têm de escolher, mediante eleições livres, qual grupo irá governar. A democracia associa-se prioritariamente ao voto e às convocações sazonais do eleitorado. Schumpeter não considerou que, no período entre eleições, a democracia continua funcionando através das instituições que fazem o chamado controle horizontal (Ministério Público, Poder Judiciário, Tribunais de Contas, etc.) dos atos dos governantes. No caso brasileiro, por exemplo, a Operação Lava Jato evidenciaria a robustez das instituições de controle horizontal no combate à corrupção estatal dos agentes políticos e seus associados empresariais.

Além disso, as eleições não são hoje suficientes para classificar um sistema como democrático, afinal, ditaduras também realizam eleições, mas sem a necessária competição schumpeteriana entre grupos (ou partidos) pelo poder.

Em contraste (mas não em absoluta oposição) com a concepção minimalista (ou de mercado) da política, existe a concepção maximalista que entende a política como Fórum ou Espaço Público. Nesse caso, a política seria exercida nos espaços públicos institucionalmente assegurados às manifestações de todos. Retomando a tradição ateniense, Hannah Arendt dirá no livro A Condição Humana que o exercício da política requer a aparição (na Esfera Pública, tal como os atenienses faziam na Ágora, a praça pública) e o discurso (com o fim de convencer os demais participantes dos debates). As deliberações públicas sobre o orçamento participativo seriam um exemplo viável de democracia participativa.

Essa concepção de democracia deliberativa apresenta, no entanto, uma série de limitações, como a capacidade reduzida de participantes na tomada de decisões em sociedades urbanas complexas, dentre outras críticas.

Fazer política implicaria, portanto, na associação a um partido ou grupo político (no sentido schumpeteriano) ou na participação física e efetiva de debates nas arenas públicas (no sentido arendtiano).

Tudo bem ponderado, passar boa parte do dia nas redes sociais, disparando mensagens, como um “guerrilheiro virtual”, contra um grupo ou outro (não raro, sob o manto oportunista do anonimato), não se conformaria a nenhuma das formas prescritas de se fazer política, a menos, é claro, que se atribua um novo significado a um conceito já essencialmente polissêmico.

Sobre André Oliveira & Rodolfo Marques (40 artigos)
André Oliveira (à esquerda) é advogado com especialização em Direito Público, doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco e membro da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) desde 2009. Rodolfo Marques é analista judiciário, publicitário e jornalista; Mestre (UFPA) e Doutor (UFRGS) em Ciência Política, e professor de Comunicação Social na Universidade da Amazônia e na Faculdade de Estudos Avançados do Pará.

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