TTC: Quando a incerteza é a única certeza

Quais serão as reais mudanças do “uploading”?

Foto: Rafael Salsa Correa.

Camila Garcia é colunista do Jornal de Toronto

Os desafios no transporte público na cidade de Toronto não são novidade. Atrasos, problemas de sinal, quedas de energia, superlotação são alguns dos contratempos que os moradores de Toronto enfrentam no seu cotidiano. Qualquer pessoa que pega a linha 2 do metrô ou o ônibus na Dufferin no horário de pico conhece de perto a situação.

Eleição após eleição, a linha de alívio no centro de Toronto, a expansão da rede de metrô para regiões mais afastadas, como Scarborough, ou projetos de melhorias nas estações existentes são propostas levantadas, mas que acabam no papel. Toronto Transit Commission (TTC) é o transporte público mais utilizado em todo o Canadá e o terceiro na América do Norte. Milhares de passageiros viajam todos os dias no sistema integrado de trânsito, seja ele no metrô, ônibus, streetcar/LRT ou ainda nas conexões com outras cidades, através do Go Transit.

Na primavera, a província pretende introduzir legislação para tomar as rédeas deste complexo sistema, em uma proposta conhecida popularmente por “uploading”. Agora, quais serão as reais mudanças desta ação? Sem conhecer ao certo as intenções que estão por detrás e com pouca informação divulgada, a resposta não é tão simples. No recente debate sobre o assunto, alguns pontos chamam a atenção:

O prefeito e os vereadores de Toronto não possuem peso na decisão

Se, de fato, a província seguir adiante com a resolução de se responsabilizar pelo planejamento e expansão de toda a rede de transporte público, não há nada que o prefeito e os vereadores possam fazer para impedir esta e qualquer outra ação. Isso significa que, se por ventura, o desejo de Doug Ford for incompatível com as necessidades reais da cidade, nossos problemas continuarão os mesmos. Apesar da província possuir mais flexibilidade para angariar fundos e investimentos, a cidade de Toronto poderia acabar tendo que arcar com os custos relacionados à operação e manutenção desses futuros recursos, que pouco servem à população.

Parcerias com construtoras privadas

O entendimento de que empresas privadas assumem a construção de novas estações de metrô, aparentemente separando o sistema integrado que conhecemos hoje e tirando a autonomia da cidade, ao mesmo tempo que ganham os direitos do espaço aéreo para a construção de novos prédios. Muitas das vezes, abrir a porta para a privatização significa diminuição do serviço e da participação dos residentes usuários. Na economia atual, quanto não custaria um apartamento localizado acima de uma estação de metrô? Qual impacto este empreendimento teria no bairro ao redor e no custo de vida dos moradores?

Bem público municipal controlado pela província

Para os usuários, pode ser que pouco importe qual nível de governo controle o TTC, e isto até é compreensível, uma vez que o único desejo dos passageiros é um transporte de qualidade, confiável e a preço acessível. Contudo, a relevância política deste fator não deve ser ignorada. Desde 1921, o TTC está aos cuidados da prefeitura de Toronto, e todo o investimento realizado saiu dos impostos dos contribuintes. Desta forma, com o uploading, Toronto perderá um bem público comum que saiu do bolso de todos nós e testemunhará seus representantes municipais eleitos perdendo espaço de atuação e voz ativa nas questões referentes ao funcionamento do dia a dia da cidade.

Será que, se a tarifa aumentar, Doug Ford irá ouvir o apelo da população? Será que as prioridades dos investidores irão melhorar a nossa qualidade de vida? Será que a província fará um trabalho melhor que o da cidade?

Um comitê, apontado pelo premier Ford, está responsável pela elaboração de um relatório com o plano detalhado do uploading; entretanto, a sua versão final não será divulgada ao público. Ao que tudo indica, teremos pela frente mais perguntas do que respostas. E na incerteza nada floresce.

Foto: Rafael Salsa Correa.

Sobre Camila Garcia (14 artigos)
Camila é paulista e já trabalhou com teatro, rádio, televisão e jornalismo. Sempre de olho no universo político, adora trocar suas impressões com os mais chegados, e agora com os leitores do Jornal de Toronto. Atualmente é apresentadora do programa de televisão Focus Portuguese, todos os sábados e domingos, na OMNI TV.

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