Pelo fim dos pronomes de tratamento formais
José Francisco Schuster é colunista do Jornal de Toronto
“Se o reitor é magnífico, imagina eu”, dizia um colega de faculdade, referindo-se ao então marionete da ditadura militar então imposto para comandar a universidade. Também com a irreverência da idade, outro colega perguntou o nome do médico que o atendia. “Doutor Fulano”, respondeu ele. “Ah, e fez doutorado onde?”, retrucou meu colega. “Ahan, não é bem assim…”, respondeu o médico, encabulado.
Criados para estabelecer uma sociedade com diferentes estratos, ou castas, pronomes de tratamento formais não fazem mais sentido hoje, em que se busca a inclusão e se reconhece que diferenças sociais se devem a diferenças de oportunidades e até sorte de estar no lugar certo na hora certa. O galgar níveis por esforço próprio não levam a diferenças abissais se não houver esses fatores.
Por outro lado, os reais vencedores são geralmente humildes, não se considerando maiores do que os outros. Desta forma, os verdadeiros doutores, obtidos por título acadêmico, geralmente não fazem questão de assim serem nomeados. Lembro que tive um excelente professor de Português no Ensino Médio, muito simples, e que só através de outros professores fomos descobrir que ele tinha doutorado em grego – feito na Grécia.
Mas como, então, estabeleceram-se os pronomes que levaram à criação de uma trupe de nariz empinado? Revela a mestra em Literatura e editora de Opinião do Correio Braziliense Dad Squarisi que tudo começou no século 12, quando Portugal se tornou um reino independente. Afonso Henriques, o primeiro rei, sentia-se tão poderoso que dizia “Deus sou eu” e proibiu dirigir-se a ele.
Assim, o Conselho de Sábios inventou o jeitinho de não se dirigir ao rei, mas à majestade do rei. Desta forma nasceu o Vossa Majestade. Até a namorada dele teve que entrar na dança e só podia dizer “Eu amo Vossa Majestade”. Puxa-sacos, que já existiam na época, se encarregaram de tornar os pronomes de tratamento formais em praga, criando o Vossa Excelência, Vossa Senhoria, Vossa Magnificência, Vossa Eminência, e assim por diante.
Vemos, assim, que somente alguns pronomes de tratamento são conquistados por qualificação, mas outros por meio do uso da força (os que conquistam o poder) ou da hereditariedade (a realeza). Achar-se superior por hereditariedade é um absurdo, também são os que chegaram ao poder pela força. Dá nojo saber que ditadores em geral, como os generais das ditaduras militares, eram tratados como excelência.
E se eleições democráticas são uma qualificação, infelizmente também dão margem a que populistas se elejam, o que não faz deles pessoas melhores. Tratar como excelência Collor ou Trump? Poupem-me! Igualmente recuso-me a tratar como excelência deputados minúsculos como os da bancada da bala (maiúsculas aqui, nem pensar). Dá asco os episódios circenses nos legislativos e órgãos da Justiça, aonde volta e meia sai um “Vossa Excelência é um energúmeno”. Tem sentido isso?
Seria hora, portanto, de acabar com o uso de todos estes pronomes de tratamento formais, especiais para algumas minorias privilegiadas. É respeitoso e suficiente tratar a todos como senhor ou senhora. Doutor deixaria de ser um pronome de tratamento, estando reservado apenas aos portadores do título acadêmico. Senhorita estaria eliminado, pois é um machismo discriminar mulheres solteiras de casadas, coisa que não se faz com os homens. Aliás, o inglês faz até pior, tendo criado o genérico Ms. Deveria ser para unificar o tratamento feminino, mas acaba sendo usado, discriminatoriamente, às mulheres que estão em relacionamento estável, que não seriam merecedoras do Mrs., reservado às casadas no papel.
Chega dessa bajulação, pois ser membro dos três poderes não faz ninguém superior. O eleitor que faz um pedido ao Executivo ou Legislativo ou a parte que pede Justiça ao Judiciário não tem que se humilhar para tal, perante quem se julga acima de tudo. Aliás, estão aí os Tribunais de Contas que, com uma eficiência ainda muito inferior ao esperado, já descobrem cobras e lagartos destes poderosos. Suas excelências devem descer do salto e das mordomias das quais usufruem com dinheiro dos contribuintes e entender que são servidores públicos como quaisquer outros. Senhor e senhora é respeito suficiente, e ponto final.
Muito pertinentes as questões levantadas. Concordo plenamente!!!! “Conquistei” (?) o título de doutor em 2002 e, embora tenha uma satisfação pessoal muito grande com isso, não faço a menor questão de assim ser nomeado, a não ser nos documentos da universidade que assim o exigem, por questões institucionais. Tenho colegas/amigos com meras graduações que se intitulam e se referem a si mesmos como “doutores”. Sinto vergonha alheia por eles. Por outro lado, sinto-me muito lisonjeado ao ser chamado de “professor”, mesmo em ambientes informais, afinal isso não é um título nem pronome de tratamento, mas sim minha profissão, da qual muito me orgulho, depois de mais de trinta anos numa sala de aula. Amém! 😄😄😄