A política da vingança
Camila Garcia é colunista do Jornal de Toronto
No ditado popular, vingança é um prato que se come frio. Contudo, o sabor da vitória nunca dura o suficiente e o estômago logo volta a roncar vazio. Quem nunca ouviu falar no olho por olho, dente por dente? Um sentimento tão remoto, inerente ao ser humano e que facilmente arrasta consigo a ideia de justiça.
Na política, sob o pretexto de justiceiros, muitos são eleitos. Até aqui, nada de novo. Os eleitores que anseiam por mudança são rápidos em eleger esses políticos. Na província de Ontário, por exemplo, o comportamento do premier Doug Ford, do Partido Conservador (PC), tem fomentado inúmeras especulações a este respeito.
Tudo começou, poucas semanas após sua posse, quando Ford anunciou a redução no número de vereadores da prefeitura de Toronto, de 47 (novo formato aprovado para eleições de 2018) para 25, que, de acordo com ele, economiza aproximadamente $25 milhões de dólares aos cofres públicos. A oposição oficial (NDP), entretanto, entendeu a decisão como uma vingança a cidade de Toronto, pela derrota que ele sofreu nas eleições municipais de 2014, e ao baixo número de votos que obteve no centro da cidade em 2018. Apontaram ainda para uma economia ilusória e não justificada, uma vez que, cuidando de áreas maiores, os gastos mensais de cada vereador aumentarão.
O corte afetou a eleição de representantes municipais da região do Peel, onde concorriam dois dos seus principais rivais políticos, Steven Del Duca (Partido Liberal) e o líder expulso do Partido Conservador, Patrick Brown. Para não ficar sem posição política, Brown conseguiu se eleger como prefeito da cidade de Brampton. No dia seguinte, Ford anunciou o cancelamento da verba destinada aos três novos campus universitários aprovados pela província para Brampton, Milton e Markham.
O enredo não pára por aí. Recentemente foi revelado que um funcionário sênior do gabinete de Doug Ford pediu a demissão de Alykhan Velshi, executivo da Ontario Power Generation. Velshi teve um papel chave no escritório de Patrick Brown. O decreto custou $500.000 mil dólares aos contribuintes.
Do mesmo modo, a tentativa de dificultar ou bloquear opositores políticos ocorre dentro do Queen’s Park. O PC apresentou legislação para modificar o número de representantes necessários ao status de partido oficial, subindo de 8 para 12. Atualmente, o Partido Liberal conta com sete membros eleitos e encontra-se a apenas um assento de atingir o status.
A ideia para a mudança surgiu após o afastamento de Jim Wilson do cargo de ministro do desenvolvimento econômico e criação de emprego, e seu consequente desligamento do PC. Como membro eleito, ele permanece no parlamento na categoria independente, e pode se filiar em qualquer outro partido. É só ligar os pontos.
Enquanto eles brigam, as cidades e os cidadãos perdem. A agenda política de Doug Ford parece estar mais preocupada em derrubar seus opositores do que atender às demandas urgentes para o desenvolvimento da província de Ontário. Logo mais, chegaremos à marca dos seis meses de governo, e é passado o momento de reconhecer que a melhor vingança é governar respeitando o sistema democrático, onde tolerância política e legitimação da oposição são direitos que devem estar sempre assegurados, e então trabalhar para fazer jus ao slogan da sua campanha: “For the people”.

Ilustração de Valf Macedo.
O ser humano é ser humano em todo lugar do mundo. Fico pensando no que nos espera no Brasil, agora com a sanha caçadora de ‘comunistas’. Uma tristeza!