Do quão africanos são os brasileiros

Alexandre Dias Ramos é editor
Foi somente morando fora do meu país de origem, o Brasil, que me dei conta do quanto somos africanos. Sempre me intrigou a diferença cultural entre portugueses e brasileiros, inclusive no modo de falar. Em termos de personalidade, o português é mais reservado e introspecto, o brasileiro é mais expansivo – e, diga-se de passagem, muito pouco reservado –, fala alto, gesticula muito, levanta, abraça todo mundo…
Depois de alguns anos morando em Toronto, no Canadá, onde é muito valorizado o espaço físico individual – virtualmente, a circunferência de uma pessoa com as duas mãos na cintura – e depois de ver pessoas assustadas com meus cumprimentos de beijos e abraços, vi que havia algo do calor humano brasileiro que não era comum em todo lugar.
Toronto é uma das cidades mais multiculturais do mundo, onde se fala mais de 200 línguas e todos os povos e culturas vivem juntos, e foi assim que notei que os brasileiros, quando imigram, têm uma primeira tendência a se aproximar dos portugueses e colegas latino-americanos, mas logo encontram maior afinidade com os africanos (principalmente angolanos). O modo pelo qual nos expressamos é muito mais próximo, o jeito alegre, debochado e otimista, mesmo em face aos problemas do cotidiano.
Outro aspecto é a maneira de falar. No Brasil podemos encontrar poucas cidades onde a influência da pronúncia portuguesa é bastante evidente, e talvez o Rio de Janeiro e Belém do Pará sejam os melhores exemplos. No entanto, é muito claro que o modo mais fonético do brasileiro pronunciar as palavras, e mesmo a velocidade de falar, é mais africano do que europeu. Ora, no Brasil colônia, a população africana era três vezes maior que a portuguesa – e é preciso lembrar que foram levados ao Brasil cerca de 5 milhões de africanos na condição de escravos. Até o final do séc. XVII, a língua mais falada era o tupinambá, um dos dialetos indígenas Tupi; em seguida, com o aumento do número de africanos, os idiomas iorubá (Nigéria) e quimbundo (Angola) se tornaram muito fortes, a tal ponto do Império estabelecer o português como língua oficial, em 1758. Tarde demais, nosso português já era, então, outro.
Como exemplo de nossa mistura, lembro-me de um programa de televisão que propôs a dois atores conhecidos brasileiros, uma negra e outro branco, a fazerem um exame de DNA para saberem suas origens, e o resultado foi que o ator branco tinha mais genes africanos do que a atriz negra. Curiosidades de um país que nasceu dessa mistura entre o português, o indígena e o africano, e que tanto nos aproxima deles todos. Que essa diversidade seja, antes de mais nada, comemorada com alegria e respeito pelos nossos ancestrais.
Texto publicado originalmente no Jornal Kandandu, em Lisboa.
Amei o texto …