Negacionismo é obscurantismo
José Francisco Schuster é colunista do Jornal de Toronto
Em pleno 2020, ainda tem gente querendo tapar o sol com a peneira e ter postura de avestruz: a realidade está diante dos olhos, mas se negam a acreditar. É mais fácil e conveniente prenderem-se às suas ilusões, às suas ideias preconcebidas, a tradições tolas jamais questionadas. Também se negam a aceitar que a realidade muda, e o que valia ontem pode não valer hoje. O conservadorismo arraigado, o “sempre foi assim” impede de darem-se conta que as coisas mudam ou podem – e devem – ser melhoradas.
Assim, temos casos como o da professora que chama os pais à escola, mas estes se negam a ouvir. “O Júnior com problemas? Imagine, logo ele que é tão inteligente, com essa idade já sabe até que a Terra é plana”, respondem. Adulto, com a ideia de que é o dono da razão consolidada, o Júnior é chamado à delegacia. “Eu, precisar de terapia, senão serei preso? Eu sou normal, só bato na minha mulher porque ela usa roupas justas, parece que está pedindo para apanhar”, contrapõe. A seguinte na fila da delegacia é uma madame. “Claro que não sou racista, delegado. Inclusive, todos os meus criados são negros”, rebate. O próximo, um policial, também nega o racismo. “O elemento estava correndo, parecendo em fuga, e o povo gritando, como ia saber que era um famoso maratonista?”, contestou.
É gente que não quer escutar, muito menos parar para pensar. O pior é que eles votam – sem pensar, é claro. E o destino de países pode cair nas mãos de políticos da mesma estirpe, que não pensam, a não ser em como beneficiar-se indevidamente do cargo. É assim que chegam ao poder presidentes que menosprezam uma pandemia e, além de não tomarem as medidas sérias, profundas e a tempo que o momento exige para salvar vidas, têm atitudes contrárias aos protocolos mundialmente aceitos e ainda desfazem da dor dos familiares dos mortos. Ou presidentes que se preocupam com as manifestações contra o racismo, não com o racismo.
O evitar da dúvida, do questionamento e da criação de um senso crítico muitas vezes faz parte da política de governo de Estados totalitários. Agregando a isto a limitação do acesso à educação de qualidade, à informação e um desmerecimento da ciência, é mais fácil a eles ter a população subjugada, como se fosse gado (daí a expressão “curral eleitoral”), e assim perpetuarem-se no poder e manterem seus privilégios.
A Idade Média é um exemplo clássico de período negacionista da ciência, rotulando os cientistas como bruxos. A população ignorante também é propensa a fanatismos, e foi por isso que a Inquisição se tornou possível. O incrível é que séculos depois, passados inúmeros avanços, a história parece se repetir. O prefeito do Rio, Marcelo Crivella, por exemplo, brigou na Justiça (felizmente perdeu) para conseguir recolher da Bienal do Livro uma novela gráfica que tinha um beijo gay, em uma clara tentativa de censura. É o negacionismo de que exista um percentual da população que é LGBTQ, que tem os mesmos direitos constitucionais dos heterossexuais.
É urgente agir para que a humanidade não entre novamente em um período de trevas. Temos que garantir no poder defensores da ciência, da educação e da inclusão. Gestores que tomem medidas amparadas em critérios técnico-científicos, em vez de beneficiar a empresa da qual são sócios ou de quem se é amigo do dono. Um grande país é aquele onde todos têm acesso ao ensino público de qualidade, completado por grandes universidades e um apoio forte à ciência. É um país, portanto, onde aprende-se a questionar sempre, não tendo gurus, aí incluído o WhatsApp. Assim, pode comer sua manga com leite, pode lavar a cabeça mesmo estando menstruada, porque você se informou adequadamente, não se negando a debater o que todas as tias lhe garantiram unanimemente. Vamos acender a luz nesta escuridão.
Deixe uma resposta