Evangélicos no plural

Não se pode falar de evangélicos no singular. Foram grupos evangélicos, por exemplo, que criaram as primeiras igrejas inclusivas do país.

O bloco “Gente de Fé Contra a LGBTfobia”, em 23 de junho de 2019, na Av. Paulista, em São Paulo. Foto: Acervo Koinonia.

Rodrigo Toniol é colunista do Jornal de Toronto

Em minha coluna do mês de março perguntei: afinal, quem são os evangélicos? Descrevi a história da presença e da criação das igrejas evangélicas no Brasil ao longo do último século. Ao nos voltarmos para essa história, o qu­e fica evidente é que não se pode falar de evangélicos no singular. Trata-se de um grupo muito fragmentado e, por isso mesmo, diverso internamente. Ao contrário do ambiente católico, cuja estrutura centralizada da igreja garante relativa unidade institucional, ritualística e dogmática, no caso dos evangélicos, as formas de devoção e os princípios a que se obedece podem variar bastante. Podemos observar isso, por exemplo, ao reconhecermos que aos Adventistas do Sétimo Dia é restrito o consumo de café, que as Testemunhas de Jeová não aceitam transfusão de sangue, enquanto que para outros grupos essas restrições sequer fazem sentido.

Reconhecer essas variações é um passo fundamental para compreendermos a pluralidade dos evangélicos e, assim, também identificarmos distintas posturas políticas desse grande grupo. Foram grupos evangélicos, por exemplo, que criaram as primeiras igrejas inclusivas do país; isto é, igrejas de apoio e acolhida à comunidade LGBTQ. Em número crescente no país desde meados dos anos 2000, essas igrejas estão multiplicando sua teologia da tolerância e o movimento que provocaram já atinge grupos de evangélicos históricos, como é o caso dos anglicanos. Em 2018, a Igreja Anglicana do Brasil passou a celebrar uniões homoafetivas. Na Parada Gay de 2019, em São Paulo, juntou-se à manifestação o grupo inter-religioso “Gente de Fé Contra a LGBTfobia”, que tinha em sua linha de frente líderes evangélicos, católicos, mórmons, budistas e mães de santo.

Na diversidade evangélica, além de pautas progressistas relativas aos costumes, também podemos encontrar líderes que têm sido protagonistas em debates políticos, como é o caso do pastor batista Henrique Vieira, um dos apoiadores do movimento Cristãos pela Democracia, criado no último ano. Reconhecer a pluralidade evangélica é um passo necessário para o diálogo e para evitar generalizações perigosas. Às vezes é recordar que foi um pastor, chamado Martin Luther King Jr., que liderou um dos movimentos civis mais importantes de nossos tempos na luta contra o racismo.

Sobre Rodrigo Toniol (11 artigos)
Rodrigo é doutor em antropologia e professor da Unicamp, tendo realizado estudos de pós-doutorado na Universidade de Utrecht (Holanda); foi também pesquisador-visitante nos Estados Unidos e México. Suas pesquisas e publicações estão principalmente relacionadas com os temas de religião, saúde e ciência.

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