Aniversários em tempos de cólera
Cristiano de Oliveira é colunista do Jornal de Toronto
Uma lembrança esquisita de infância que eu tenho era da cara de fracasso do coleguinha que virava pra todos e dizia, “pior sou eu, que faço aniversário no dia do Natal”. Na mesma hora, reconhecia-se um cara que, guardadas as proporções que nossa confortável bolha nos proporcionava, vivia um nível diferente e raro de lascação pessoal: ele poderia obter as melhores notas, o pai poderia ser piloto de corrida, a mãe poderia ser dona de uma rede de fliperamas… mas de nada adiantaria. No momento em que botou o pé pra fora do útero, o pequeno coleguinha foi condenado a ganhar só um presente por ano. Que pais ruins eram aqueles que encomendavam filho em março pra nascer no Natal? No meio da quaresma, senhoras e senhores. Vejam a que ponto chegou a depravação da sociedade.
O tempo vai passando e isso deixa de ter qualquer importância, afinal, de que adianta ganhar dois presentes por ano se os dois serão roupas? É chegado aquele momento da vida em que o cidadão vai só virar pros colegas e dizer simplesmente “pois é, meu aniversário é no dia do Natal”. A reação do resto do povo não passará de uma risadinha, que interessante, amigo, veja só você… no máximo um gaiato vai perguntar se ele é o homem de Nazaré e quanto ele quer pra andar sobre as águas de uma piscina Regan. Fora isso, morreu o assunto.

Ilustração de Fabio Ludesi.
Éééé mas a hora de todo mundo chega. Eu, ser egoísta e ruim que só, nunca me coloquei no lugar dessas figuras, só ouvia as histórias com curiosidade e não me oferecia em momento algum pra levar dois presentes na festa de aniversário do coleguinha que sofria de eclosão natalina. Se bem que eu fazia uma pequena ideia, pois não nasci em época de plena paz também não. Meu aniversário às vezes caía no Carnaval, mas ora, isso não é nada. Tudo bem, às vezes não tinha como dar festinha porque estavam todos viajando, ou as pessoas às vezes se animavam com as festividades e tacavam farinha… mas e daí? Desde que o povo se lembrasse de tirar a farinha do saco antes de tacar, estava tudo em paz. O problema foi ter vindo pro Canadá, e descobrir que meu aniversário caía no Dia dos Namorados. Aí, jovens do meu Brasil, a casa caiu.
No começo era tranquilo, todo mundo novinho, todo mundo solteiro, então não fazia diferença, mas o tempo vai passando e todo mundo vai se arrumando pra não encarar frio sozinho. Aí acabou festa e comemoração. Você pode até dar cerveja de graça que os casais não aparecerão. Mas não tem problema, certo? Basta entrar na onda e namorar também, saindo só mesmo pra um jantar simples de celebração… Rá! Vá sonhando. Se não fizer reserva com dois meses de antecedência, esqueça. Você chega ao restaurante e dorme na fila. Quando se senta, as mesas são tão coladas que qualquer movimento pra pegar o celular no bolso pode ser interpretado como assédio sexual por tentativa de fazer glu-glu na perna do vizinho. Um frio medonho, e os restaurantes ainda lhe dizem que o tempo máximo de estada é uma hora. Então você escolhe tudo rápido, pede vinho Chapinha que é o único que vende meia garrafa, pois não dá tempo de tomar uma inteira, come qualquer coisa, e se quiser cantar parabéns, que seja em 78 rotações, tipo disco de historinha. E quer saber da maior? Ó a infância aí voltando pra cobrar os atrasados: você ganha um presente só, e achando bom que ainda arrumou alguém que te aguenta.
Adeus, cinco letras que choram.

Ilustração de Fabio Ludesi.
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