“Comfort language”, bom como “comfort food”
José Francisco Schuster é colunista do Jornal de Toronto
Não é só a comida: a língua materna também traz muito conforto ao falante. Esta é a minha constatação quando vejo aqui no Canadá encontros casuais entre pessoas que acabam descobrindo ter como interlocutor alguém do mesmo idioma nativo, apesar de falarem inglês fluentemente. A troca para seu primeiro idioma é automática no momento em que se dão conta, e a conversa rola muito mais leve e aprofundada do que ocorria até então. Até, talvez, pode levar a uma amizade e a resultados mais concretos do que se o diálogo fosse totalmente em inglês.
Portanto, o prazer de encontrar suas raízes iria além da alimentação. Relembrando, o termo comfort food foi criado em 1966 pelo jornal Palm Beach Boast, onde um texto afirmava que adultos muito estressados buscavam a comfort food, comidas ligadas à segurança de sua infância. Esses alimentos ativariam mecanismos de recompensa no cérebro humano que provocariam um senso temporário de prazer e relaxamento. O uso exagerado de comfort food estaria até relacionado à obesidade nos Estados Unidos, mencionaram estudos a respeito realizados posteriormente. Todavia, comfort food começou a ser inclusive oferecida como tratamento a pacientes anoréxicos.
Faz sentido, pois o cheirinho do pão de queijo ao chegar em um aeroporto brasileiro ou o aroma deixado por uma churrascaria são não só incapazes de passarem despercebidos como abrem o sorriso de qualquer brasileiro. É aquele cheirinho de Brasil, de casa, de que estamos pisando em território conhecido. Em viagem de férias para o Brasil, é inevitável que façamos refeições mais pesadas do que normalmente realizamos no Canadá, aproveitando a comida feita pela mãe, os bufês a quilo e tantas lojinhas de gostosuras.

Da mesma maneira, o papo rola morno aqui no Canadá, quando um deslize de sotaque ou alguma referência traz a pergunta “Você é brasileiro?”, com o sim, parece dar um alívio, um peso sai de cima. Esquecendo do inglês, abre-se um novo mundo, com possibilidades de diálogo muito maiores. Um sentimento de cumplicidade maior permite que o assunto seja estendido muito além do que aconteceria se ficasse restrito ao inglês.
Falar com alguém da mesma cultura também permite incluir referências culturais, como trocadilhos que só existem em seu idioma nativo, citar nomes que só são conhecidos no país de origem, como “Milton” ou “Getúlio”, e mencionar itens praticamente desconhecidos de estrangeiros, como goiabada e guaraná.
Assim, quando você entra em um restaurante no Brasil e a TV está ligada, a reação pode não ser muito positiva, mas, aqui no Canadá, se for em um canal brasileiro, para muitos leva a um sorriso de relaxamento, pela identificação da língua que internamente lhe faz referência, sendo, neste caso, uma boa estratégia de recepção para o negócio. Só somos nós mesmos em português; em outra língua, não somos inteiros.
Leia também a matéria “Você tem fome de quê?”, da colunista Gia Freitas.
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