Solidão é peso adicional para muitos imigrantes
José Francisco Schuster é colunista do Jornal de Toronto
Tenho notado, no dia a dia, um grande número de pessoas vivendo solitariamente. Creio que entre comunidades imigrantes, como a que vivemos aqui no Canadá, a situação seja ainda mais nítida, pois muitos emigram sós e, atribulados com mil outros problemas de adaptação à nova vida, a parte afetiva acaba ficando relegada a segundo plano. Reconheço que relações machistas e opressoras, e a necessidade de manter as aparências que existiam no passado, distorcem a comparação ao longo do tempo, mas é hora de atentarmos para o presente e o futuro.
Não acredito que seja percentualmente tão numeroso o grupo dos que, definitivamente, pretendam passar o resto da vida sozinhos. Pelo contrário, os solitários contumazes deveriam ter claro o que os levaram a pensar assim, se foi o abalar-se ao presenciar o cotidiano de uma relação falida ou, julgando-se os soldadinhos do passo certo, crer em um estereótipo de que “ninguém presta”. Se viver em sociedade é uma necessidade de sobrevivência (ermitões devem estar praticamente extintos), não encontrar entre 7 bilhões de pessoas ninguém com quem valha a pena conviver mais de perto é preocupante.

Cartas para Santo Antônio, popularmente conhecido como o santo casamenteiro.
Entre os que buscam alguém para compartilhar a vida, os mecanismos de encontro mútuo atuais aparentemente não têm dado conta do recado. Os sites de relacionamento, na minha visão, criam muito mais ilusões do que possibilidades reais. E os velhos métodos de encontro da alma gêmea, seja na sua comunidade, escola, trabalho ou local de diversão, não estariam tendo a eficiência do passado. Seria a vida atribulada, grupos muito maiores numericamente do que décadas atrás (dificultando conhecimento mútuo mais aprofundado) ou estarmos muito mais exigentes em relação a quem consideramos merecedor para dividirmos nosso dia a dia? Enquanto estamos jovens, nem damos bola para isso, passamos por divórcios, mas agora muitos vivem nos “enta” sem ninguém ao lado.
Esta reflexão me veio da forma mais trágica possível: uma amiga recentemente faleceu em sua casa aqui no Canadá, solitariamente, e ninguém se deu conta por vários dias. Quem percebeu não foi familiar ou amigo, foi a locadora do apartamento. Nas conversas entre amigos mútuos que se seguiram, demo-nos conta de quantos outros brasileiros vivem no Canadá sem mais ninguém em casa. Ninguém que lhes alcance um medicamento. Ninguém que acuda. Ninguém que telefone para a emergência. Se a solidão dói para a maioria em vários momentos da vida em que um ombro seria o melhor remédio, na hora da necessidade emergencial, pode ser até fatal.
Uma realidade de muitos.
Artigo triste mas real.