A Páscoa traz um sentido de conexão com a comunidade

Boa Páscoa!

Mercado de bacalhau, em Lisboa. Foto: Marcus Eubanks.

Rodrigo Toniol é colunista do Jornal de Toronto

Como se constitui uma comunidade? Essa não é uma pergunta de resposta fácil. Sociólogos, historiadores e antropólogos dedicam muita energia e muitas páginas a esse tema. Os debates e as análises, além de extensos, são repletos de minucias que mostram como a forma de constituir um grupo varia no tempo – os laços fortes de uma comunidade há 600 anos não são os mesmos que garantem a vitalidade de um grupo hoje – e no espaço – grupos das ilhas da Polinésia organizam seus grupos de maneira muito diferente dos holandeses.

Apesar de todas essas variações, alguns consensos são fortes. Entre eles o de que, no Ocidente moderno, um elemento fundamental para consolidar uma comunidade é um calendário compartilhado. Os feriados cívicos, por exemplo, não são somente datas para lembrar de feitos e fatos do passado, mas são momentos em que se produz e se conta a história oficial, introduz-se uma referência geral para a temporalidade da vida de todos daquele grupo. Há ainda, segundo os especialistas no tema, algumas datas desse calendário coletivo que são mais centrais para a produção do sentido de pertencimento em comunidade.

No caso do Brasil, notoriamente, Natal e Páscoa são dois desses momentos-chaves de reafirmação de pertencimento. O almoço de Páscoa, por exemplo, marca o sentido mais amplo de ser cristão, e também um sentido mais íntimo: compartilhar o almoço de Páscoa significa pertencer àquela família. Isso também nos ajuda a entender nossa inicial resistência ou dificuldade em aderir a datas que, por mais afetiva que sejam para alguns, não nos mobilizam inteiramente, como é o caso, para os brasileiros, do Thanksgiving.

É por isso que, para quem está longe, celebrar a Páscoa pode ter não somente um sentido religioso, mas principalmente um sentido de conexão com sua comunidade, uma forma de reforçar vínculos e pertencimentos. E é aqui que chegamos numa segunda parte dessa história, a comunidade se baseia não apenas em um conjunto de comemorações compartilhadas, como também na convergência das formas de celebração. Nesse quesito, os brasileiros têm uma deliciosa singularidade: o bacalhau salgado. A iguaria viajava com os portugueses em suas navegações desde o século XV, mas foi só com a chegada na corte no Brasil, em 1808, que o costume de comer bacalhau ficou mais difundido por lá. E por que esse é um prato pascalino? O costume remonta à Idade Média, quando os dias de jejum praticado pelos cristãos não permitiam a ingestão de alimentos quentes. O bacalhau era um prato frio e, pouco a pouco, tornou-se a refeição que marcava o fim dos jejuns. É por isso que a Páscoa, que celebra a ressurreição de Cristo e marca o fim da quaresma, um período de restrições para os cristãos, é quando se come o bacalhau.

Com ou sem bacalhau, boa Páscoa e boa celebração de sua comunidade!

Sobre Rodrigo Toniol (11 artigos)
Rodrigo é doutor em antropologia e professor da Unicamp, tendo realizado estudos de pós-doutorado na Universidade de Utrecht (Holanda); foi também pesquisador-visitante nos Estados Unidos e México. Suas pesquisas e publicações estão principalmente relacionadas com os temas de religião, saúde e ciência.

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