Imigrar e deixar tudo para trás

A decisão de imigrar dificilmente ocorre com total análise das implicações que ela gera

Foto: Afif Ramdhasuma.

José Francisco Schuster é colunista do Jornal de Toronto

A decisão de imigrar dificilmente ocorre com total análise das implicações que ela gera. Por mais racional que possa ser o processo, certamente inclui uma dose de ímpeto que impede de perceber detalhes dos quais só nos damos conta quando já se está no outro país. A conclusão de que viver no país de origem – no caso, o Brasil – não é a melhor opção é amparada por mil e um motivos que vão da falta de perspectivas profissionais e baixos salários à violência urbana e deficiências de infraestrutura, e neste oba-oba se perde a dimensão das múltiplas consequências de trocar de país.

É preciso ter claro que esta opção tem que ser ponderada, pois o Brasil atual tem seus problemas, mas não as dificuldades extremas, por exemplo, que levaram italianos, alemães, japoneses e outros povos a imigrarem para o Brasil no século 19. Muito menos o país vive em situação de guerra ou conflito interno, como a Ucrânia, a Palestina e alguns países africanos, onde aí a imigração é uma saída de sobrevivência e claramente justificável para qualquer um.

Já para o brasileiro, a imigração é, na grande maioria dos casos, a aposta no escuro de que vai obter um futuro melhor. São raríssimos os casos de quem sai do Brasil já com emprego acertado no Canadá, o que normalmente se restringe a transferências dentro da mesma empresa. Mandar currículos do Brasil para o Canadá certamente não funciona, pois mesmo quem já está dentro do país disputa entre centenas de candidatos e tem que estar pronto para uma entrevista de emprego a curto prazo. Assim, quase todos vêm na cara e na coragem, esperando por dias mais risonhos do que na pátria-mãe.

Contudo, ao chegar sem contar com uma expressiva rede de networking no Canadá e com a dificuldade de reconhecimento da formação e da experiência profissional – e nem estou falando de profissões regulamentadas –, recuperar o padrão de vida que se tinha no Brasil toma um certo tempo e, possivelmente, até um grande investimento em estudar no Canadá para obter um diploma local, para ajudar a abrir portas. Afinal, instituições de ensino fora da América do Norte são geralmente ilustres desconhecidas para empregadores daqui, e jogam o currículo para baixo da pilha.

Passado todo o período de adaptação e de recuperação do poder aquisitivo (quando ocorre) é que normalmente cai a ficha: ok, voltei ao nível onde estava, mas na verdade agora, além de não contar com longos verões, praias de águas quentes e aquela comidinha que dá água na boca, há uma despesa extra que não se tinha no Brasil: passagem aérea internacional para visitar a família e os amigos que ficaram lá.

Pois é, no Brasil, quando se pensa em férias, se pensa em ir para longe de tudo. Afinal, um mês depois estará tudo de volta no seu lugar. Agora, para quem está fora, o Brasil vira seu lugar básico de férias, e viagens para outros lugares do mundo ocorrerão quando e se sobrar tempo. No Brasil, até se achava chato quando o contato com a família passava de um limite, o ter que almoçar na sogra e os papos que vinham depois. Só quando se está fora é que se começa a sentir falta disso tudo, e dar-se conta como era importante em sua vida.

E mais: no afã da imigração, não se lembra que pais, tios, avós e outras pessoas queridas vão envelhecer. Chegará uma altura em que precisariam, se não de sua ajuda, de sua presença, ao menos de vez em quando. E aí, estando no outro hemisfério, os contatos por vídeo ficam tomados pela emoção e pela angústia de não poder pegar o primeiro avião e ir lá ter aquele contato pessoal insubstituível e até resolver problemas.

Pior é quando é um problemão, como uma situação de saúde grave ou um falecimento. Se no Canadá se espera o tempo que for necessário para o sepultamento, até que cheguem todos, no Brasil é no máximo em 24 horas. Normalmente, não dá tempo nem de pegar o avião. Psicólogos explicarão a importância de se estar presente para o processo de luto. Para o imigrante, fecha-se uma importante página e tem-se que lutar praticamente sozinho, com o pouco de família que veio junto, ou absolutamente só.

Teoricamente, é possível fazer um processo de imigração para os pais, e trazê-los para cá. No entanto, além de não ser fácil nem rápido, também envolve a concordância deles. E muitas vezes é tirar-los de referenciais ainda mais fortes do que os seus, de sua zona de conforto. Como eles vão viver sem os vizinhos de anos, sem a hortinha no fundo de casa, e sem ir diariamente na padaria, de camiseta e chinelos, como fazem há tantos anos? Mesmo que concordem, fica a pergunta: mas aí como vai ficar lá sozinha a vó? E a tia?

E não é só a família que faz uma incrível falta, é o grupo de amigos que se juntava para levar os cachorros no parque, para ir ao futebol, para ir ao clube, para ir à praia, para ir ao samba e assim por diante. Uma hora se percebe que eles são muito mais importantes do que pareciam, e que conversar pela internet é só um pálido quebra-galho.

Claro, depende muito do grau de afetividade de cada um. Há brasileiros que passam anos e anos sem voltar a seu país. Talvez tenham assimilado a vida mais individualizada canadense, onde as pessoas pouco se visitam. Agora, para quem tem um coração brasileiro-raiz, mesmo se tiver a sorte de ter conquistado no Canadá uma bela casa – a pagar pelo resto da vida –, dificilmente compensará a saudade e a perda da convivência com aqueles que ficaram para trás.

Sobre os desafios da imigração, o Jornal de Toronto e a Livraria Canoa acabam de publicar o livro “De Outro Lugar: vozes da imigração feminina”, em que 25 autoras escrevem sobre suas experiências com a imigração, principalmente no Canadá. O livro está em PRÉ-VENDA e logo chegará em terras canadenses. Garanta seu exemplar!

Sobre José Francisco Schuster (76 artigos)
Com quase 40 anos de experiência como jornalista, Schuster atuou em grandes jornais, revistas, emissoras de rádio e TV no Brasil. Ao longo dos últimos 10 anos, tem produzido programas de rádio para a comunidade brasileira no Canadá, como o "Fala, Brasil" e o "Noites da CHIN - Brasil". Schuster agora comanda o programa "Fala Toronto", nos estúdios do Jornal de Toronto.

2 comentários em Imigrar e deixar tudo para trás

  1. Ótimas considerações Schuster. Concordo e assino embaixo.

  2. Muito bem abordado. Sabemos q o novo e’ muito bem-vindo quando esta decisão é feita com clareza e objetividade. Ganhamos muito mas também sacrificamos muito. Que tudo seja por aprendizado e desenvolvimento.

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