Escassez da saúde e barreiras em revalidar o diploma
Beatriz Neves é jornalista
Não deve ser novidade para os “canadenses brasileiros” a falta de mão de obra no Canadá; mas ainda assim brasileiros imigrantes encontram muitas barreiras para preencher esse buraco.
A pandemia revelou, mais do que nunca, a já existente escassez de trabalhadores da área de saúde. Sejam eles médicos, enfermeiros, dentistas ou farmacêuticos, existe uma grande carência de trabalhadores de saúde no Canadá. No entanto, o país ainda tem um dos processos de revalidação de diploma mais caros, complexos e longos, mesmo com o grande incentivo governamental a imigração.
Primeiramente, fazer e aplicar para uma faculdade de Medicina aqui é bem diferente do processo brasileiro. No Canadá, assim como nos Estados Unidos, é necessário fazer um undergrade na área de Ciências e então aplicar em uma Grade School de Medicina, independente de sua nacionalidade. O mesmo processo vale para dentistas, veterinários e várias outras formações de saúde. Entrar nessas faculdades também não é fácil, já que são poucas e todas pagas – só existem 17 faculdades de Medicina no Canadá inteiro, por exemplo. Todos esses fatores por si só já fazem muitos estudantes canadenses pensarem duas vezes antes de escolher esse caminho, quem dirá os imigrantes. As dificuldades do curso em si já seria o suficiente para fazer jovens repensarem essa carreira e essas barreiras extras só ajudam na escassez de trabalhadores.
O governo canadense é conhecido no mundo pelo seu incentivo à imigração e por diversos facilitadores nos processos de residência e cidadania. Então, outra alternativa para o problema seria a imigração de pessoas com formação e experiência na saúde. Contudo, o processo de revalidação de diploma é um desafio que muitos brasileiros não acham que vale a pena, ou, quando se propõem a fazer, sabem do sacrifício e dedicação necessária.
Rosana Rodrigues, brasileira que mora na província do Quebec, compartilhou a história de seu amigo médico colombiano que encontrou mil barreiras para exercer a profissão nas terras canadenses. “Ele deixa o Canadá e segue rumo a França, onde a validação foi feita em meses, e vai poder trabalhar como médico! Com isso, todos perdemos. A província necessita urgentemente de mais profissionais de saúde!”, escreveu Rosana em sua página de Facebook, ao se despedir do amigo.
Matheus de Sá, brasileiro farmacêutico, escolheu fazer sua revalidação do diploma, apesar das dificuldades. “Eu fiz a equivalência apenas para a farmácia comunitária, que é a farmácia que fica na rua. Para ir pro hospital, é preciso fazer um mestrado a mais, no que é chamado aqui de ‘farmacoterapia avançada’. Aqui no Quebec tem um convênio do Conselho de Farmácia com a faculdade que dá a permissão para trabalhar em Quebec apenas”, disse Matheus. Essa permissão é chamada de Qualification en pharmacie (QeP) e oferece ao trabalhador o treinamento adicional necessário que permite que o mesmo desempenhe plenamente o papel no sistema de saúde do Quebec, em colaboração com outros profissionais. “O QeP é menos duro, apesar de ainda ser bem difícil, mas pelo menos a gente pode voltar para a universidade e ter contato com tudo o que ela nos dá: professores, estrutura, estágios, contatos, network, etc. Mas o maior desafio pra mim, que ainda existe até hoje, é o idioma”, diz Matheus.
É evidente o esforço do governo para trazer mais especialistas da área. Em janeiro deste ano, o governo federal adicionou dentistas na lista dos Federal Skilled Worker Program que incentiva e permite que estrangeiros qualificados de todo o mundo imigrem para o Canadá. No entanto, em todas as ocupações, o trabalhador deve obter um diploma universitário, um treinamento de aprendizagem entre dois anos e seis meses no trabalho – um período longo em que a pessoa ainda tem que se manter financeiramente de alguma forma, ou seja, cria mais uma barreira para muitos que não podem deixar de trabalhar para estudar. O governo sim tem vários programas de empréstimo e bolsas estudantis, mas limitadas aos imigrantes que já detêm a residência permanente. Não é impossível fazer a revalidação; porém, as barreiras são tantas que fazem vários desistirem até de tentar.
A falta de ajuda na saúde pública tem sido discutida extensivamente em vários níveis do governo, seja provincial, municipal ou federal; no entanto, a facilitação na revalidação do diploma ainda precisa ser discutida com mais detalhes para atender às necessidades da população que cresce a cada ano. No final das contas, o mais importante é ter profissionais suficientes para todos.
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