“Como é que o mar, tão grande, cabe numa janela tão pequena?”

Livro de Afonso Cruz traz poesia a esse mundo distópico

Alexandre Dias Ramos é editor

Num mundo onde tudo é comercializável, quantificável e patrocinável, muito se admira que, numa noite qualquer, a menina tenha pedido ao pai que lhe comprasse um poeta. Na loja, o “pai apontou para o poeta que fungava e não tinha patrocínio nas roupas e perguntou se aquele exemplar era subversivo, que é a característica mais temida nos poetas”; no que o vendedor respondeu: “Está abaixo dos dois por cento. É sempre necessário serem um pouco subversivos ou a qualidade poética baixa demasiado e não gera lucro, ninguém compra, acabam preteridos a bailarinos ou hamsters”.

Seu quartinho debaixo da escada era diminuto, mas o poeta estava feliz por ter agora um lar. Ninguém na casa entendia o que ele dizia – tudo muito irracional –, mas, como todo bichinho de estimação, o poeta acabava por ser uma boa distração (e um constante incômodo). De repente as coisas em casa mudaram e as indecifráveis metáforas do poeta passaram a ser interpretadas como mentiras. Palavras e frases com sentidos descabidos e desconectados dos fatos mensuráveis. Um perigo!

O pai, considerado um gestor rigoroso – especialmente depois de ter trabalhado “num projeto de uma empresa alemã de produção de obsolescência universal, um produto industrial pronto a usar em qualquer produto comercial para garantir uma fiável efemeridade” – acaba por não aguentar tantas sandices. Nem adianta dizer que é spoiler: do embate, sabemos, perde sempre a cultura.

Mas, também sabemos, do poder que as palavras têm; e, pouco a pouco, aquela frase escrita na parede do quartinho acaba por revelar algo cada vez mais instigante:

“Como é que o mar, tão grande, cabe numa janela tão pequena?”

O livro Vamos comprar um poeta, de Afonso Cruz, transforma a ficção em realidade, e a realidade – já absurda por demais – em ficção. É incrível a capacidade que um pequeno livro como este tem para nos mostrar, do lado de cá ou de lá da distopia, que, ao fim e ao cabo, a poesia sempre vence.

Francamente…

Para adquirir o livro Vamos comprar um poeta, de Afonso Cruz, no Canadá, clique aqui; para compra no Brasil, clique aqui.

Sobre Alexandre Dias Ramos (26 artigos)
Alexandre é editor-chefe do Jornal de Toronto, mestre em Sociologia da Cultura pela FE-USP, doutor em História, Teoria e Crítica pela UFRGS, e membro-pesquisador da Universidade de São Paulo. É editor há 20 anos e mora em Toronto, Canadá.

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