Um mês dos ataques de 8 de janeiro

A reação democrática e o paradoxo da tolerância

Funcionários realizam troca de vidros após ato de vandalismo por manifestantes bolsonaristas no Congresso Nacional. Foto: Edilson Rodrigues_Agência Senado.

André Oliveira & Rodolfo Marques são colunistas do Jornal de Toronto

Os ataques de 8 de janeiro de 2023, em Brasília, emularam nitidamente a invasão ao Capitólio estadunidense, ocorrida dois anos antes – em 6 de janeiro de 2021. No caso brasileiro, não houve mortos e, além disso, o cientista político Marcus André Melo, em coluna na Folha de S. Paulo, logo após o ocorrido, apontou ainda outras “diferenças notáveis entre os dois eventos”, como, por exemplo, o fato de a Corte Suprema dos Estados Unidos não ter sido invadida, ao contrário do que sucedeu aqui. Em comum, a negação do resultado oficial das eleições, o uso da violência e a tentativa de deslegitimar as instituições da democracia resultaram iguais.

Há, decerto, muitas razões que explicam os ataques do 8J – vamos chamá-lo assim –, dentre as quais se incluem, por exemplo, o franco viés autoritário que permeia os movimentos de extrema-direita, a ponto de tentarem sabotar as instituições da democracia em favor do incremento dos poderes executivos para líderes salvacionistas, os homens providenciais incensados pela vontade majoritária do povo e até de Deus.

Em coluna publicada no jornal O Estado de S. Paulo, Bolívar Lamounier aponta o populismo e a estatolatria como “doenças infantis brasileiras” e, portanto, como causas para a deflagração do 8J. Para o cientista político brasileiro, “não nos livramos de certas crenças infantis, notadamente a de que não podemos prescindir de um ‘governo forte’ (leia-se um demagogo populista) e a de que nosso desenvolvimento só será possível sob a égide de empresas estatais, controladas pelo já referido ‘governo forte’”.

De fato, nossa trajetória político-institucional é marcada por forte viés autoritário, basta lembrar que a república nasceu de uma quartelada em que um hesitante Marechal Deodoro da Fonseca, instigado pelos republicanos com Benjamin Constant à frente, vai até o Visconde de Ouro Preto e anuncia que o Gabinete (o então governo) estava demitido. A queda da monarquia não trouxe mais democracia para o país, pois, como anotou o historiador Hélio Silva (no livro Nasce a República: 1888-1894, p. 48), “no primeiro momento, os republicanos são alijados. É a ditadura militar”.

Por óbvio, trajetórias político-institucionais podem ser modificadas e o 8J pode servir como um gatilho para a adoção de uma concepção mais abrangente de República Democrática. Uma das medidas necessárias passa pelo processamento, julgamento e punição dos que participaram da invasão do 8J, bem como os de quem a incentivou com recursos ou claros discursos de apoio.

Retornamos aqui, pois, ao paradoxo da tolerância de Karl Popper, já abordado por nós em outra coluna, ou seja, democracia é para os tolerantes; com os intolerantes, a democracia deve ser igualmente intolerante. Parece ser o caso em tela.

Pouco mais de um mês após os lamentáveis episódios, vários processos políticos e jurídicos se seguiram – e as investigações lideradas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) caminham para identificar a omissão dos agentes de segurança, uma eventual participação de lideranças políticas e as possíveis ligações do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) com os episódios. O ministro Alexandre de Moraes, que é o relator do inquérito, afastou, por 90 dias, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha. Há, por ora, pouco mais de 1.400 prisões preventivas pelas ações golpistas – e a própria Corte precisará definir os novos encaminhamentos no sentido de avançar nas decisões e no fortalecimento da democracia.

O ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro – e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal –, Anderson Torres, estava nos Estados Unidos quando dos atos violentos e de depredação do patrimônio público. Foi preso após ter sido identificada em sua residência uma minuta de documento com caráter golpista. No período entre 8 e 31 de janeiro, o governo federal instituiu uma intervenção na área da segurança pública, sob a tutela de Ricardo Capelli, secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Tudo bem ponderado e ainda que ocorram eventuais abusos contingentes na ação do STF – algo a ser debatido e mensurado no futuro imediato –, importa proteger a democracia contra seus inimigos afastando do jogo aqueles que querem sabotar suas regras, como foi o caso dos vândalos do 8J.

Sobre André Oliveira & Rodolfo Marques (37 artigos)
André Oliveira (à esquerda) é advogado com especialização em Direito Público, doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco e membro da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) desde 2009. Rodolfo Marques é analista judiciário, publicitário e jornalista; Mestre (UFPA) e Doutor (UFRGS) em Ciência Política, e professor de Comunicação Social na Universidade da Amazônia e na Faculdade de Estudos Avançados do Pará.

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