A pegadinha do dólar turismo

Se é desanimador para o turista, torna-se uma dor de cabeça para quem planeja estudar no exterior ou emigrar

Foto: Kredite.

José Francisco Schuster é colunista do Jornal de Toronto

A cotação do dólar é um eterno pesadelo na vida dos brasileiros. Não só dos que pretendem viajar ao exterior, mas de todos, pois afeta os preços dos produtos que o Brasil importa, do petróleo a telefones celulares, encarecendo ainda mais, ou até tornando inacessíveis, produtos necessários no dia a dia. Em períodos de instabilidade na economia, a disparada da cotação piora ainda mais a situação. Dá para acreditar que o real já valeu mais do que o dólar na criação do Plano Real, sendo cotado em julho de 1994 a R$0,92? E que há apenas 11 anos, em julho de 2011 (durante o primeiro governo de Dilma Rousseff), estava em R$1,57? E dizer que agora, em agosto de 2022, está a R$5,17, em um enorme peso para os salários do Brasil, cada vez mais corroídos.

Mas não é tudo: o pior é que não adianta chegar com R$5,17 em uma casa de câmbio brasileira para levar uma cédula verdinha, pois estas oferecem às pessoas físicas a cotação do chamado “dólar turismo”, mais alta, e não a que mencionamos, chamado de dólar comercial. Assim, os mortais terão que desembolsar R$5,38 para obter US$1,00 dólar. Mas por que o dólar turismo foi criado? No início dos anos 1990, logo antes do Plano Real, o Brasil vivia uma outra fase de instabilidade na moeda. Com isso, a comercialização do dólar de forma ilegal começou a crescer, como uma ideia que se criou para proteger as finanças pessoais.

Sem a fiscalização do Banco Central, esta comercialização começou a ser chamada de câmbio paralelo. Sendo transações irregulares, eram passíveis de punição por ser considerado crime contra o sistema financeiro. Para colocar ordem no mercado, foi criado o dólar turismo, oferecido por instituições bancárias e casas de câmbio autorizadas pelo Banco Central. O dólar turismo sai mais caro porque são somadas taxas como o spread (taxa de risco) do agente de câmbio, segurança e o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). O IOF varia de 0,38%, como na transferência bancária internacional do Brasil ao exterior, a 6,38%, em suas compras em cartão de crédito no exterior ou carregamento de cartão pré-pago. A compra de moeda em espécie, ainda no Brasil, tem taxa de 1,1%. Assim, o dólar comercial é restrito a operações de importação e exportação e investimentos, ou seja, pessoa jurídicas.

Se é desanimador para o turista, torna-se uma dor de cabeça para quem tem intenções mais sérias e, portanto, de custo mais elevado, como estudar no exterior ou emigrar. A diferença de 21 centavos por dólar (que havia em 19/08/2022) parece pouca, mas em centenas ou milhares de dólares acaba dando uma grande diferença para quem está entregando muitas vezes a poupança de toda uma vida em nome de seu sonho no exterior. A mídia normalmente só anuncia a cotação do dólar comercial, mas quando você chegar na boca do caixa vai desembolsar, atualmente, R$210,00 a mais por mil dólares, ou nada menos do que R$2.100,00 por 10 mil dólares. Seguramente, é de chorar.

Por isso, é questionável a manutenção desse mecanismo quase 30 anos mais tarde. Claro que trabalhar com o que para banco é dinheiro miúdo, comparado às transações de exportações e importações, tem um custo maior. Mas vá a qualquer banco canadense, dos Estados Unidos e, creio que, na maioria dos demais países, e não vão lhe aplicar uma cotação diferente de câmbio do que a oficial. E estão vivos e bem financeiramente, muito obrigado. Mais uma vez, para o cliente pessoa física, este valor é muito.

O próprio nome “dólar turismo” me parece preconceituoso, dando a parecer que só serve para viagens de passeio de milionários, não lhes fazendo diferença alguma. Mas, e os viajantes a negócios? Parece que o Brasil não precisa de globalização, bastando o mercado interno. Sério, deitado em berço esplêndido em 2022? E, novamente, os estudantes e imigrantes que, como os empresários, igualmente não estão de brincadeira – lembrando que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) constatou um aumento de eleitores brasileiros no exterior de 39,2% em apenas quatro anos, sendo 77,2% de incremento no Canadá. Quanto os bancos, casas de câmbio e o próprio governo, com o IOF, faturaram nas costas desta sofrida gente que busca um futuro melhor? Hora de acabar com esta pegadinha, não?

Sobre José Francisco Schuster (70 artigos)
Com quase 40 anos de experiência como jornalista, Schuster atuou em grandes jornais, revistas, emissoras de rádio e TV no Brasil. Ao longo dos últimos 10 anos, tem produzido programas de rádio para a comunidade brasileira no Canadá, como o "Fala, Brasil" e o "Noites da CHIN - Brasil". Schuster agora comanda o programa "Fala Toronto", nos estúdios do Jornal de Toronto.

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