A Amazônia e o ciclo vicioso da violência

O assassinato do indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips insere-se em uma já longa tradição de violência na Amazônia

Foto: Luis Deltreehd.

André Oliveira & Rodolfo Marques são colunistas do Jornal de Toronto

O assassinato do indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, embora chocante pelos requintes de crueldade empregados, tais como esquartejamento dos corpos etc., insere-se em uma já longa tradição de violência na Amazônia. Antes deles, os deputados paraenses João Batista (PSB) e Paulo Fonteles (PCdoB), ambos vinculados às lutas agrárias, foram assassinados nos anos 1980, bem como a irmã Dorothy Stang, em Anapu-PA, e o seringalista Chico Mendes, no Acre. A lista é longa e a ocorrência de crimes seriais contra o meio ambiente e a vida de quem defende a preservação da floresta e das etnias indígenas sugere que o governo brasileiro não tem agenda clara para a região, falha na sua execução – caso tenha alguma – ou simplesmente ignora as demandas dos habitantes da Amazônia.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) afirma que a Amazônia pertence ao Brasil e que o país detém uma legislação ambiental avançada. No cenário internacional, ninguém questiona que a floresta seja brasileira, o ponto fulcral reside na incapacidade do governo brasileiro de protegê-la e/ou promover o desenvolvimento econômico compatibilizado com a preservação do meio ambiente. Essa compatibilização é possível, como demonstrou Paragominas, no Pará, que mudou sua trajetória marcada pela violência – dizia-se que era possível contratar pistoleiros em praça pública, havendo até uma tabela de preços que mudavam de acordo com o status da potencial vítima – e poluição, com suas várias carvoarias, para se tornar um modelo de cidade ambientalmente responsável, limpa e pacífica. Portanto, não basta ter um arcabouço legal avançado se a elite dirigente não o aplica e, indo mais longe, não se compromete em perseguir um modelo de desenvolvimento econômico ambientalmente sustentável.

Teorias conspiratórias alegando que as potências estrangeiras querem se apropriar da Amazônia são risíveis, não incentivam o debate e servem apenas para tentar semear medos infundados. Em mais de uma década de luta, os Estados Unidos não foram capazes de submeter o Vietnã, cujo tamanho corresponde a cerca de duas vezes o Amapá, por exemplo; logo, soa bizarro imaginar os marines desembarcando para ocupar o Pará e o Amazonas, cada um com mais de um milhão de quilômetros quadrados.

Não custa lembrar que, em 25 de junho de 1876, o 7º Regimento de Cavalaria do Exército dos Estados Unidos foi derrotado na batalha de Little Bighorn, no Estado de Montana, por uma coalizão de tribos Cheyennes e Sioux. Depois disso, o governo norte-americano reagiu com vigor e confinou as tribos remanescentes em reservas – a corrida para o Oeste seguia a todo o vapor. No caso brasileiro, os indígenas já estão confinados em reservas, mas continuam ameaçados por atividades econômicas extrativistas que envolvem a pesca ilegal, o narcotráfico e a mineração predatória; ou seja, atividades pré-capitalistas, brutais e que necessitam de um Estado omisso na aplicação do arcabouço legal para que possam cumprir seu desiderato criminoso.

Em lugar de interditar o debate invocando teorias conspiratórias bizarras, o governo brasileiro poderia mostrar que podemos promover, ao contrário do que fizeram os norte-americanos e outros povos, desenvolvimento econômico ambientalmente sustentável – é o único meio de cessar o ciclo vicioso de violência brutal na Amazônia profunda. Fazendo isto, o Brasil se tornaria referência na área ambiental, uma liderança mundial incontestável.

Sobre André Oliveira & Rodolfo Marques (34 artigos)
André Oliveira (à esquerda) é advogado com especialização em Direito Público, doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco e membro da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) desde 2009. Rodolfo Marques é analista judiciário, publicitário e jornalista; Mestre (UFPA) e Doutor (UFRGS) em Ciência Política, e professor de Comunicação Social na Universidade da Amazônia e na Faculdade de Estudos Avançados do Pará.

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