Aprendendo resiliência com o cachorro
José Francisco Schuster é colunista do Jornal de Toronto
Todo mundo tem uma história pra contar do que aprendeu na pandemia. Ela causou um impacto tão grande em nossa rotina que não é impossível passar por ela sem marcas; e, com ela, nos demos conta de muita coisa e tivemos que aprender outras tantas. Para mim, o curioso é que importantes ensinamentos vieram de onde eu não esperaria: de meu cachorro Bruce.
Antes da pandemia, ele já havia me dado lições de amor, com seus bom-dias, festiva recepção quando eu chegava em casa, e pedidos de afagos, e de parceria, me tocando na perna para pedir pedacinhos de pão durante o café da manhã. Na pandemia, também se ressaltou o companheirismo, deitando-se a meu lado enquanto trabalho no computador. Porém, em uma consulta médica, mais uma vez me foi ressaltada a importância de fazer algum exercício, coisa da qual eu fugia. Para que eu tivesse algum estímulo para isso, resolvi assumir a responsabilidade de sair com o cachorro.
A pandemia, porém, me ensinara como é chato ficar em isolamento todo dia em casa. Me dei conta de que o mesmo deve ser para o cachorro. Decidi, então, não dar apenas uma rápida voltinha, só para ele fazer suas necessidades, mas dar um passeio de uma hora. Enfim, o Bruce – e eu – teria uma atividade física em pelo menos uma das 24 horas do dia. Uma ótima ideia, e passamos a ir diariamente até uma praça que fica a um quilômetro e meio de casa.
Bom, mas aí chega o dia que você não tá a fim de sair, tá sem paciência, etc. Mas aí o Bruce já sabe o horário e vem te chamar. E você sabe que ele precisa fazer suas necessidades, não tem jeito, e do saco que é ficar trancado em casa. E se acaba saindo, religiosamente, sete dias por semana. Não é tudo: chega o dia em que está chovendo, e que dá aquela preguiça de sair. Você imagina que quando o cachorro chegar lá fora, ele vai ver a chuva e vai dar meia-volta. Para minha surpresa, Bruce sai normalmente, sendo que eu estou de guarda-chuva, e ele não. Lá vou eu, me sentindo um dançarino de frevo, me agachando equilibrando o guarda-chuva, ao mesmo tempo em que Bruce puxa para seguir o caminho, enquanto recolho o cocô.
Por outro lado, você descobre que, visto da janela, às vezes o dia não parece tão bom assim, mas só saindo você descobre que está super agradável, e que seria um desperdício ter ficado em casa. Ou o contrário, às vezes está pior do que parecia, mas, voltando ao princípio, forçar-se a uma saidinha diária revela-se importante para o seu dia não se resumir a 24 horas em casa.
Até aí era verão, tudo muito bem, mas então chega o mais forte dos guerreiros, o general inverno. Não esqueço do meu professor de História lembrando de sua importante contribuição para a derrota de Napoleão e Hitler, ao fazerem a burrice de tentar invadir a Rússia no inverno. Comprei um lindo casaco para o Bruce, mas ele se recusou a vestir. E lá vai ele, como naturista, enquanto eu vou com casacão, botas, luvas, manta, touca e máscara, enfrentando o frio, minha maior dificuldade de adaptação ao Canadá. Bruce vai reclamar de algo? Que nada!
E chega o dia em que a temperatura está menos vinte e picos. Digo pra mim mesmo: não vou conseguir sair de casa, impossível, vou colocar em mim uma plaquinha de “short turn” como os ônibus, voltando da metade do caminho. A porta do edifício se abre e vem aquela golfada de vento geladíssimo. Meu Deus, vou ter um tererê! E lá se vai o Bruce, tranquilo. Como, não vai voltar? Tento virar na primeira esquina para o “short turn”, mas ele puxa para o caminho normal. Tá, só mais uma quadra. Tento de novo, e a cena se repete. Vai indo, vai indo, e acabamos chegando na praça, como sempre, como jamais imaginei que conseguiria. Não acredito!
Bom, agora é voltar, pior não fica. E vamos indo até que, ao longe, vejo a porta do edifício. Como linha de chegada, começa a tocar a musiquinha do Ayrton Senna na minha cabeça. Só mais um pouquinho, na ponta dos dedos, como diria o Galvão. Chegamos! Eu consegui! Desafiei meus limites! Fiz o que não acreditava que conseguiria – e tudo graças a um valente baixinho de uns sete quilos! Quem diria que eu iria aprender resiliência com o meu cachorro? Me dá força para enfrentar os pepinos da vida com mais esperança de sucesso. Sim, eu consigo!
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