Fronteiras: sim ou não?

Imigração só é um problema porque existem fronteiras. Mas, por que elas existem?

Foto: Erika Wittlieb.

José Francisco Schuster é colunista do Jornal de Toronto

Imigração só é um problema porque existem fronteiras. Mas, por que elas existem? Não seria muito mais simples se fossem como as divisas dos estados e limites dos municípios, que se cruza praticamente sem perceber, ou até sem notar? Entre países, porém, a questão é bem mais complicada: remonta ao tempo dos reinos e ao desejo de sua expansão, pelos seus benefícios de poder, militares e econômicos. Até hoje, existem áreas cuja propriedade é contestada entre dois países, e guerras ou conflitos de invasão são encontrados inclusive na história recente, sendo a Palestina um dos casos mais conhecidos.

O desejo de propriedade acaba não se limitando à área de terra de um país, mas inclui a faixa marítima adjacente, hoje em dia mais pelo petróleo do que pela pesca, e o espaço aéreo. Vários países já fatiaram até mesmo a Antártida e lá colocaram estações de pesquisa; e os Estados Unidos, ao chegar à lua, quis deixar um recado ao colocar lá a sua bandeira.

Tomada a posse, o próximo passo é impedir que estrangeiros entrem para ali se estabelecer. Como turistas, até são muito bem-vindos pelo dinheiro que deixam, mas, para morar, todos os países têm altas restrições. Isso faz um certo sentido, na medida em que os países, além de tentar manter sua identidade cultural, administram um orçamento que tem limites. Assim, se não houver reservas financeiras, o feijão pode se tornar mais aguado para quem já está lá, piorando a qualidade de vida da população em geral. Também é uma questão filosófica a justiça de alguém que não preparou seu bolo querer comer o bolo do vizinho.

Entretanto, não é algo de resposta simples, pois aquele que não preparou o bolo pode ter lutado com todas as forças para fazê-lo, mas não contou com o apoio de seus compatriotas – talvez por oposicionismo político. Além disso, quem fez o bolo pode ter se utilizado de ingredientes oriundos de quem não o fez, obtendo-os de maneiras escusas e privando-o de fazer o mesmo – como o caso de países colonizados.

O resultado é que, neste início do século 21, o Canadá é um dos poucos países a aceitar imigrantes de forma consistente – e entra nessa seleta lista, claro, Portugal –, uma vez que sua taxa de natalidade não é expressiva. Outros países, como Austrália e integrantes da Europa, recebem números muito diminutos. O próprio Brasil, que tanto recebeu imigrantes no século 19, hoje acolhe anualmente um número ínfimo de latino-americanos e africanos.

Contrastando com a falta de receptividade, o desejo de imigrar é imenso mundo afora, sendo um dos casos mais dramáticos os dos centro-americanos que desejam viver nos Estados Unidos, com histórias terríveis sobre suas desesperadas tentativas de cruzar a fronteira estadunidense de qualquer maneira. Voltando à história do bolo, como os países da América Central foram parar nesta situação? O mesmo em relação aos países da África, onde tantos tentam chegar à Europa, pela qual foram colonizados e usurpados de seus recursos por séculos.

É necessário, portanto, que os países que colonizaram façam o seu mea culpa e recompensem as nações que exploraram, além de uma abertura controlada à imigração. Por outro lado, todos os países que admitem imigrantes deveriam checar, mais do que os recursos financeiros do imigrante, como é tradicional, a sua adaptabilidade aos conceitos do país. Seria, como em uma entrevista de emprego, os famosos soft skills, as habilidades comportamentais. Isto porque os países que recebem imigrantes são, geralmente, os que conseguiram avançar mais na educação. Assim, deveria ser aprovado como imigrante apenas quem apoia, por exemplo, as regras do país de adoção sobre o uso de agrotóxicos, desmatamento, armamento, em relação ao machismo, o racismo e outras discriminações. Levar maus costumes e preconceitos ao país de adoção não deveria ser tolerado, pois além de ser uma ingratidão, o prejudica.

Sobre José Francisco Schuster (80 artigos)
Com quase 40 anos de experiência como jornalista, Schuster atuou em grandes jornais, revistas, emissoras de rádio e TV no Brasil. Ao longo dos últimos 10 anos, tem produzido programas de rádio para a comunidade brasileira no Canadá, como o "Fala, Brasil" e o "Noites da CHIN - Brasil". Schuster agora comanda o programa "Fala Toronto", nos estúdios do Jornal de Toronto.

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