Inclusão e diversidade devem ser valores-chave para as grandes organizações
A brasileira Jamile Cruz, fundadora e CEO da I&D 101, foi reconhecida como umas das 50 lideranças transformadoras no Canadá, pelo prêmio 2021 Business Changemakers Award. O relatório anual é realizado pela equipe editorial do The Globe and Mail, o principal jornal do país, com base nas ideias, realizações e impacto dos indicados.
Jamile é engenheira e trabalha há 20 anos com transformação de negócios, criando e implementando estratégias de gestão e fortalecimento da inclusão e diversidade nas empresas e em suas cadeias produtivas. Atua na conexão Brasil-Canadá em organizações globais e indústrias de ambos os mercados, com foco principal na mineração, engenharia e telecomunicações. É mentora no Brasil do Artemis Project, iniciativa que prepara mulheres líderes de negócios para negociarem com a indústria para transformar setores eminentemente masculinos, como a mineração.

Antes de abrir seu próprio negócio, Jamile Cruz trabalhou em empresas como Embraer, Ericsson, Accenture, Hatch e Vale e atuou como consultora estratégica para empresas da Fortune 500. É conferencista reconhecida internacionalmente e integra, além do Artemis Project, diversos comitês e associações voltadas a impulsionar a equidade e inclusão nas organizações, entre eles o Conselho Diretor da Women in Mining (WIM) Canadá e do movimento WIM Brasil como uma das fundadoras, e líder do Comitê de Diversidade e Inclusão da Brazil-Canada Chamber of Commerce. Em 2020, Jamile também recebeu o reconhecimento Canadian Institute of Mining Distinguished Lecturer Award pelo trabalho que desenvolve de inclusão no ambiente de trabalho na indústria de mineração.
Alexandre Dias Ramos – Ser reconhecida como umas das 50 lideranças transformadoras no Canadá não é para qualquer um; por outro lado, tal reconhecimento não me espantou, pois lembro bem da primeira vez que assisti uma palestra sua, e minha sensação, naquela ocasião, foi que estava diante de uma líder extraordinária. Como foi esse processo até chegar na nomeação do prêmio?
Jamile Cruz – Obrigada pelo carinho, o Jornal de Toronto é parte da minha história e desse reconhecimento. Chegar a essa nomeação e ser escolhida entre esse grupo de 50 é a representação de um trabalho de muitos anos, da união de muitos projetos, e acredito que também representa um amadurecimento dos nossos negócios, da forma como vemos a participação das pessoas nessas organizações, e do impacto que a cultura tem em seus resultados.
Comecei minha carreira em 1999 como técnica de telecomunicações; em seguida, mesmo trabalhando full-time, entrei na engenharia e desde então não parei. Minha carreira se compõe de uma coleção de descobertas, de experiências, de relacionamentos com líderes, mentores, patrocinadores, e de muitos projetos. A abertura da I&D 101, a empresa de consultoria estratégica na área de inclusão e diversidade que lidero hoje, aconteceu através dos aprendizados de toda essa carreira e do meu desejo de mudança e transformação. O trabalho que desenvolvi em grandes corporações por mais de 20 anos, principalmente nas áreas de consultoria de negócios e liderança de projetos, me ajudou a aperfeiçoar a habilidade de definir e ajudar organizações a analisar a visão macro dessa oportunidade, e também definir claramente o passo-a-passo dessa transformação com soluções dinâmicas e mensuráveis – base fundamental para a mudança sistêmica que precisamos.
Alexandre – Sua trajetória sempre foi pela via da diversidade, desde o início, na faculdade, cercada por um universo eminentemente masculino; depois, na mineração e em grandes corporações. Você experienciou na pele os problemas que a falta da diversidade promove, mas transformou isso em aprendizado para si e também para o mercado à sua volta, ao fundar sua própria empresa. Como surgiu a ideia da I&D 101?
Jamile – A I&D 101 nasceu da necessidade de criar ambientes mais inclusivos e diversos. Ver a falta de representação em todos os passos e escolhas que fiz em minha carreira me marcou muito. Confesso que era algo que tentava não prestar atenção no início, pois o meu objetivo era sempre trabalhar, adquirir experiências e aumentar o meu conhecimento; depois de um tempo, com a ascensão profissional e os ambientes que passei a frequentar, passar por cima desse desconforto deixou de ser uma opção. Os números demonstram muito claramente a redução da participação das mulheres em posições de liderança nas empresas, quando comparadas à sua força de trabalho – o chamado teto de vidro. Se olharmos para a minha interseccionalidade, essa participação é ainda menor. De acordo com o Ministério da Economia, as mulheres detêm 42,4% das funções de gerência e somente 13,9% de diretoria.
Nos anos que trabalhei com projetos de transformação nas empresas, onde um grande componente é a estratégia e gerenciamento de mudanças, aprendi que a construção de uma estratégia clara, com um plano de ação efetivo e linhas de responsabilidades bem definidas, é ponto crítico para o sucesso de qualquer projeto. É assim que ajudamos as empresas, com o entendimento de que não adianta só declarar que se importa com a Inclusão e Diversidade (I&D) e colocar em seu website. Co-criamos a estratégia de I&D, ajudamos na definição do plano e metas, na ativação de líderes para que possam modelar comportamentos inclusivos, inspirar e engajar seus grupos de trabalho.
Alexandre – Quando você diz que as “organizações que desejam ter um ótimo desempenho devem ter uma cultura inclusiva e com ambientes mais diversos”, quais os pontos principais que te fizeram chegar a essa conclusão, e como convencer as empresas disso?
Jamile – Estudos estão cada vez mais detalhados sobre o impacto nos negócios das ações de diversidade e mudanças na cultura das organizações. Uma maior representatividade de várias dimensões de diversidade – idade, país de origem, gênero, educação – se apresenta com conexão direta aos resultados financeiros relacionados à inovação, com times mais diversos apresentando até 19% mais receita. A diversidade na liderança das empresas também está conectada a uma melhora na tomada de decisões e redução de risco, por isso grandes investidores estão deixando a fase da recomendação e começando a exigir uma maior diversidade em conselhos de administração e times executivos, através de rankings e relatórios anuais de monitoramento.
Alexandre – O mundo da mineração geralmente é marcado por eternas negociações com lideranças locais, grande impacto ambiental e, não raro, embates e deterioração das comunidades das regiões exploradas. Como inserir a prática de Inclusão e Diversidade num contexto complexo como este?
Jamile – A mineração, com todos os seus problemas e desafios, pode e deve ser um agente de mudança. Essas transformações serão muito difíceis se depender dos mesmos processos, das mesmas pessoas, dos mesmos hábitos. A mineração, assim como muitos outros setores, precisa de renovação, de inovação; precisa entender e se adequar às novas necessidades, fatores de risco e oportunidades da nossa realidade. As mudanças ambientais e os relacionamentos com as comunidades locais só se beneficiam com uma maior diversidade dos participantes dessas organizações. A contratação e desenvolvimento de líderes locais, comprometidos com o desenvolvimento dessas comunidades e proteção do meio-ambiente, e com os impactos a longo-prazo dessas minas, geram operações mais inclusivas, conscientes, seguras e responsáveis. Empresas e líderes que entendem essa equação, criam negócios mais sustentáveis. Todo mundo ganha.

Agradecimento especial para Raquel Boechat, da Enfato Canada.
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