Amplificando vozes alternativas
Gloria Blizzard é escritora
Com tanta coisa tentando prender minha atenção digital, dou cerca de seis segundos para qualquer apresentação de música, vídeo ou podcast; e então decido se continuo ou deixo pra lá – você sabe exatamente do que estou falando. Durante a pandemia, três coisas têm prendido minha atenção por muito mais tempo do que minha regra dos seis segundos: a série Scandal da Netflix (não me julgue!); shows semanais de jazz no Live from Emmet’s Place pelo Facebook, e a série de podcast REVERB.
Na primavera de 2020, o Jornal de Toronto lançou três programas de podcast em apenas dois meses, sendo os dois primeiros, Conversa Fora e Fala Toronto, em português. “Por que você não faz um em inglês?”, perguntou a designer e apresentadora canadense Erin Ademoglu a Alexandre Dias Ramos, fundador do jornal e produtor dos programas. “Meu inglês é terrível, eu não posso fazer… mas você pode”, ele respondeu.
Duas semanas depois dessa conversa o REVERB foi lançado, trazendo vozes e perspectivas ausentes na mídia convencional. Os convidados moram em Toronto, mas vieram de mais de 13 países diferentes, incluindo Jamaica, Rússia, Argélia, Iraque, Romênia, Sérvia e Canadá. São artistas, educadores e acadêmicos que compartilham suas práticas e ideias, enquanto encontram maneiras de permanecer socialmente engajados, conectar-se com uma comunidade mais ampla ou simplesmente viver bem e com tranquilidade.
Novos caminhos a seguir
Há uma infinidade de perspectivas nos 21 episódios publicados até agora. No primeiro podcast, Erin conversa com Misha Artebyakin, do Drom Taberna, um bar que toca muita música ao vivo na Queen Street West, em Toronto. O segundo aniversário do estabelecimento foi no verão de 2020, quando eles fizeram uma festa ao ar livre, e convidaram músicos para tocar, mas mantiveram os sets muito curtos, “para que as pessoas não fizessem o que costumam fazer no Drom: suar, beijar e beber”, diz Misha. Enquanto passava o tradicional chapéu vermelho, ele disse ao pequeno público: “A única razão de estarmos fazendo isso é para que vocês se lembrem de como é importante estar juntos. É para que vocês não esqueçam disso”.

Em outro episódio, a inovadora comunitária Mosa McNeilly compartilha suas práticas artísticas e educacionais, seu trabalho com o coletivo de arte Diasporic African Women (DAWA) e sua experiência como líder espiritual, conduzindo cerimônias baseadas na diáspora espiritual africana e caribenha, e seus sistemas de crenças e tradições.

O músico e ator iraquiano Ahmed Salah Moneka, co-fundador da banda Moskitto Bar e criador do Moneka Arabic Jazz, e o músico francês Tangi Lion contam sobre seu encontro mágico nas ruas do Kensington Market, em Toronto. Durante o lockdown, ao invés de fazerem a planejada turnê por todo o Canadá, eles voltaram às ruas, onde tudo começou, pois era o único lugar onde era possível tocar.

O multi-instrumentista argelino Fethi Nadjem, que também toca com o Moskitto Bar e faz parte da banda Djmawi Africa, fala de como tem usado a ausência de shows como um momento para trabalhar em suas próprias composições e vídeos.
Para o músico de jazz Ori Dagan, esta foi uma oportunidade para se desafiar a fazer shows online, cantando e tocando piano. Inspirado pelos trabalhadores da linha de frente na batalha contra o Covid-19, Ori saiu de sua zona de conforto. “O luxo de ser artista é que, quando erramos, ninguém morre. Qual é a pior coisa que poderia acontecer? Meu ego ficar ferido.” Como resultado, Ori tem conquistado novos públicos na Europa, Brasil e muitos outros lugares.
Peter Kingstone, artista e gerente do programa de artes visuais e liderança do Toronto Arts Council, fala sobre as bolsas disponíveis para artistas e a resposta da organização ao racismo.
Dra. Carmen Logie fala sobre estigma, discriminação e redistribuição de recursos, em resposta ao colonialismo histórico que gera recursos acumulados para uns poucos.

Em outro episódio, o escultor, artesão de bonecas e designer gráfico Frantz Brent-Harris descreve esses tempos como “difíceis”, pois as pessoas finalmente perceberam a existência de racismo no Canadá. Ele usa suas energias arrecadando fundos para o StepStones for Youth (um programa para jovens que aos 18 anos são retirados do sistema de assistência social, repleto de crianças indígenas e negras) e para o Black Gay Men’s Network of Ontario, entre outras organizações.

Há sempre uma tendência de autenticidade radical nessas vozes, à medida que os convidados exploram e compartilham suas buscas por cuidar de si mesmos e da comunidade.
Trabalhando juntos
Onde eles encontram seus entrevistados? “Ah, a Erin conhece todo mundo”, Alexandre me diz. Todos os convidados devem comparecer ao estúdio do Jornal de Toronto News&Arts, em Little Portugal, Toronto. Sem chamadas de zoom, obrigado! O estúdio é composto por duas salas separadas por uma parede de vidro. A apresentadora senta-se em uma sala e o convidado na outra.
“Algo acontece nesses encontros”, Alexandre comenta. “É quase como uma terapia; os convidados ficam felizes de estar ali e querem ficar mais e continuar conversando. Num período como esse, as pessoas estão sentindo muita necessidade de conexão e conversa.”
É uma espécie de terapia para mim também. Me inspira muito o fato de que o REVERB tem amplificado vozes alternativas; e também no fato de que os três podcasts do Jornal de Toronto amplificam um ao outro: o Fala Toronto, apresentado por José Francisco Schuster, aborda eventos e questões atuais da comunidade; e o irreverente Conversa Fora, comandado por Alexandre Dias Ramos e Nilson Peixoto, acaba de atingir a marca de 1100 downloads. Entre os três programas, seus podcasts estão sendo baixados em mais de 250 cidades em 46 países.
Fico muito feliz que, nos 20 minutos de constante cutucada no status quo, os convidados compartilhem música, arte e conversas, encontrando maneiras de continuar a ser criativos, espirituais ou simplesmente seguir em frente com seus projetos.
Até que tenhamos a chance de nos conectarmos pessoalmente, seja em um parquinho ou em um café, ou até mesmo em um local de música ao vivo – “suando, beijando e bebendo”, como diz Misha –, aguenta firme todo mundo, e dê sua espasmódica atenção digital ao podcast REVERB, essa mistura intrigante e edificante de música, personalidades e ideias.





Você também pode ouvir o REVERB pelo Spotify, Apple Podcasts, Amazon Music ou Google Podcasts.
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