A urgência de uma nova ordem trabalhista
José Francisco Schuster é colunista do Jornal de Toronto
A pandemia serviu, entre outras coisas, para os defensores do estado mínimo terem que engolir suas palavras. Magnatas do mundo inteiro foram estender seus chapéus aos governos, em pânico, implorando ajuda. O conto da livre iniciativa já havia sido desmascarado há muito tempo, cada vez que um pequeno empreendedor estendia seu pano de camelô, causando escárnio aos lojistas próximos, seguido de prontas medidas para retirá-lo. A burocracia e elevadas taxas dos governos até para um mero food truck de sorveteiro elitizam e, assim, inviabilizam os planos de muitos que buscam instalar um modesto negócio para sobreviver, o que impede a ascensão social.
As únicas propostas recentes do capital em relação ao trabalho foram as piores possíveis: a terceirização, a precarização e a automação. Olhados inicialmente com desdém e contrariedade, logo os governos passaram a fechar os olhos para os aplicativos de transporte e de entrega, que se tornaram tábua de salvação para muitos desempregados. Sem vínculo empregatício, estes trabalhadores assumem todos os riscos e não têm nenhum direito trabalhista. O Brasil ainda teve o problema extra de a CLT ter sido rasgada, acabando com mecanismos que garantiam um mínimo de direitos aos trabalhadores.
Neste mundo em que a pandemia agregou milhões de desempregados aos que já existiam, não é mais possível empurrar com a barriga o problema. Torna-se urgente uma nova ordem trabalhista, onde cada um tenha direito à segurança de um sustento digno. Não podem ser mais ignorados os milhões de brasileiros que foram descobertos com a pandemia, e certamente será inviável voltarem, pós-pandemia, a recorrer aos “bicos” que os ajudavam a escapar da fome, uma vez que a economia se desestruturou. Os trabalhadores que perderam seus empregos também não os recuperarão na velocidade em que foram demitidos. As taxas de desemprego devem cair com muito mais lentidão.
Além disso, é uma boa hora para finalmente olharmos para o desperdício gigantesco de tempo e dinheiro, tanto em nível pessoal como em nível governamental, que ocorre com os que completam cursos, inclusive de nível superior, ao não obterem empregos em suas áreas. São grandes investimentos que vão para o lixo. Um governo decente se envergonharia de uma professora vender bolos para sobreviver, por falta de emprego em sua profissão. Ou do lendário caso aqui do Canadá de médicos dirigindo táxis, enquanto se demora horas em uma fila de emergência de hospital.
Assim, mais do que nunca, precisamos de Estados que assumam responsabilidade e tomem iniciativas para que não haja mais excluídos na sociedade. No fim do dia, todos os cidadãos têm o direito de, ao menos, ter um teto e pão em sua mesa. Não é viável um planeta onde existam desalentados, o novo termo para os que perderam o ânimo de buscar emprego porque antecipam que não conseguirão. Se falta formação, que se invista em educação e se dê amplo acesso a ela. Também é preciso reverter a precarização dos trabalhos, através de uma solidez das relações e a garantia de um mínimo de benefícios. Saúde de qualidade (inclusive dentária) e aposentadoria digna, por exemplo, são essenciais.
Ignorar a crise e não tomar nenhuma atitude séria e abrangente é algo que custará mais a cada governo do que fazer o que deve ser feito. Não esqueçam, estamos com milhões e milhões de desempregados mundo afora, apavorados com a absurda quantidade de candidatos para cada vaga de emprego. Se nada for feito antes que acabem os benefícios pela pandemia, a convulsão social gerada pela miséria será inevitável, com proporções e consequências incalculáveis. O ratinho sabe que, estando encurralado, só lhe resta atacar, não importa o tamanho do inimigo. E são centenas de milhões de ratinhos.
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