Negros ainda são minoria entre imigrantes brasileiros
Larissa Veloso é jornalista
“Você não vai conseguir o visto.” Foi o que a cantora e compositora Luanda Jones ouviu da agente que a auxiliava no processo de aplicação. “Eu tinha trabalho, tinha tudo para provar que conseguia vir pra cá, e mesmo assim ela disse ter certeza que eu não ia conseguir”, explica Luanda. Quinze anos, várias turnês e participações em programas de entrevista depois, a cantora não apenas estabeleceu residência no Canadá, como se tornou uma importante representante da cultura brasileira em Toronto.

Longe de ser um caso isolado, a situação de Luanda ilustra um fenômeno que passa despercebido para quem não está atento: as barreiras à imigração de parcela considerável da população, o que resulta na pouca presença de pretos e pardos na comunidade brasileira no Canadá. “É bem visível”, diz Conrado Neto, um engenheiro civil negro que se mudou para Toronto há cinco anos para fazer PhD na Ryerson University. “Participo de grupos de brasileiros no Facebook e às vezes nos encontramos. Dá pra ver claramente, a maioria das pessoas são brancas.”
Nem o governo brasileiro ou o canadense têm dados demográficos atualizados da população brasileira imigrante, mas o Censo de 2016 aponta que menos de 3% desse grupo se classificam como pretos (ou “black”, em inglês). No Brasil, de acordo com a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), a população preta chega a 9,2% e parda a 47,2%. O IBGE classifica a soma desses dois grupos como negros, que chegam então a 56,4% da população.

De acordo com a doutoranda em Ciências Políticas da UFRGS, que estuda a questão racial dentro das relações internacionais, Mariana Félix de Quadros, essa discrepância se deve ao racismo estrutural. “No Brasil podemos dizer que raça pressupõe classe. Você tem pessoas negras sobrevivendo e não vivendo, o que exclui negros dos aspectos econômicos. Imagina você partir daí para imigrar para um cenário internacional como o Canadá”, aponta.

A ativista e assistente social Maria Clara de Sena concorda com essa visão. Negra e trans, ela imigrou como refugiada para o Canadá em 2017, após sofrer ameaças de morte. “Eu nem visualizava sair do Brasil. A nossa questão é rasgada, nosso povo não tem emprego, não tem escola, condições de pegar o transporte público”, diz.
Emprego, escola e renda são alguns dos principais critérios adotados atualmente pelo governo canadense para o Express Entry, o principal programa de imigração. Nesse sistema, os candidatos competem entre si e acumulam pontos se tiverem Ensino Superior completo (negros são apenas 35% dos matriculados em universidades brasileiras), e experiência de trabalho no Canadá, de preferência em altos cargos (apenas 4,7% dos cargos executivos nas 500 maiores empresas do Brasil são ocupados por negros). O governo canadense também exige a comprovação de CAD$16 mil (R$ 61 mil), mas, segundo dados do IBGE em 2018, o rendimento médio de um trabalhador negro é apenas 57% do que os trabalhadores brancos ganham.
Para Mariana de Quadros, a responsabilidade de transformar essa realidade não é apenas brasileira. “Se o país que recebe os imigrantes não cria medidas para incentivar uma imigração plural, que compreenda também a população negra, isso também exclui, porque estabelece critérios que beneficiam apenas as elites”, diz.
Ouça o podcast com a entrevista de Maria Clara de Sena para o programa “Fala Toronto”: “O preconceito é uma doença que mata“; e também o episódio “Racismo e transformação” com a pesquisadora em inovação social Jananda Lima:
Excelente ponto. Eu sou admin de um grupo de brasileiros e um de imigração e concordo plenamente com o Conrado Neto, infelizmente a diversidade brasileira não se reflete aos brasileiros no Canadá pois o sistema de imigração combinado com um sistema opressor contra os negros e pardos no Brasil gera uma barreira muito maior para estas pessoas.