A direita diz seu nome
Rodrigo Toniol é colunista do Jornal de Toronto
Em uma pesquisa realizada no centro da maior metrópole brasileira, pesquisadores da Universidade de São Paulo perguntaram aos entrevistados quais eram suas posições com relação aos direitos humanos. As repostas, por mais que tenham variado, repetiam padrões como a reação de Geórgia, 40 anos, advogada, residente na Mooca: “E o pior de tudo é que houve uma inversão de valores. Quer dizer, o bandido, ele é muito mais importante do que o civil, do que o coitado do cidadão que trabalha. O bandido, hoje em dia, ele é endeusado, é um coitado que está expiando, pagando por alguma coisa que eventualmente não teria cometido, embora seja assassino, seja estuprador, seja o diabo”. Certamente uma resposta reconhecida por muitos em seu círculo familiar e de amizade. Diante de reações como essa tendemos a dissertar longamente sobre como a sociedade brasileira se transformou nos últimos anos, sobre a onda de conservadorismo, sobre como perdemos o fio de solidariedade que nos unia como nação e passamos a viver em um país dividido.
Ocorre que a pesquisa mencionada, coordenada pelo já falecido sociólogo Antônio Flávio Pierucci, foi realizada em 1986, portanto, há 33 anos. Seu objetivo era compreender o voto nas candidaturas de dois políticos conservadores que concorriam para ocupar a prefeitura de São Paulo: Jânio Quadros e Paulo Maluf.
A análise dos resultados está publicada em um texto intitulado “As bases da Nova Direita”. O texto nos coloca diante de um descompasso na análise atual da política brasileira: a “nova” onda conservadora que identificamos hoje fora notada por Pierucci há três décadas. Nesse caso, o que há de novo no “novo” conservadorismo brasileiro? As pautas daquele momento se confundem com as do atual: queriam mais efetivos policiais, punições mais severas para criminosos, ponderavam a relevância dos gastos públicos e, ao mesmo tempo que desejavam mais investimento em saúde e educação, eram anti-intelectuais.
Há pouco de novo nas marcas que conformam o que podemos reconhecer como eleitores de direita no Brasil. A novidade não está aí. A principal mudança está na auto-identificação desses eleitores. No fim dos anos de 1980, como nos diz Pierucci, a direita não dizia seu nome, era um problema identificar-se como tal. Mesmo Paulo Maluf e Jânio Quadros se apresentavam como candidatos do centro. Ao que parece, então, o que mudou foi a possibilidade de acionar a “direita” como identidade política. O termo deixou de ser acusação e passou a servir para auto-identificação. A novidade da nova Nova Direita, então, é a capacidade de nomear-se. Parece pouco, mas na política nomear é criar posições e, nesse caso, posições que alteram todo o jogo que se joga.
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