O feminino amazônico

Rogério Soares é documentarista
A exploração das Américas pelos europeus foi baseada na destruição de todo um sistema cultural e espiritual, pelo medo. A natureza do lugar, desconhecida e misteriosa, seus habitantes selvagens, o clima e relevo, os mosquitos, as doenças tropicais, as intempéries, o gigantismo, a espiritualidade e conexão cósmica com os elementos, tudo ia contra o que eles conheciam e dominavam racionalmente.
O impulso de dominar foi, desde o início, uma luta pela posse de territórios físicos, mas também míticos. Repetimos os erros do passado quando olhamos para a Amazônia, um dos últimos lugares a ser “conquistado”, um processo que se faz presente diante de nossos olhos e que trilha os mesmos caminhos de nossos antepassados.

Francinete Novaes, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), em Belo Monte, Altamira. Foto: Rogério Soares.
Não foram as mulheres que construíram esse padrão de comportamento. Ao contrário, quando analisamos a presença feminina na Amazônia nos deparamos com uma energia conciliadora, de vibração amorosa de acolhimento e também de luta. Grande parte dos movimentos sociais na Amazônia estão nas mãos de mulheres. Ativistas, quebradeiras de coco, donas de casa, lideranças indígenas, mães, parteiras, o universo feminino amazônico que se descortina na contemporaneidade se contrapõe à visão masculina e individualista que ali imprimimos historicamente.
Há uma poderosa força e uma linguagem totalmente diferente da que conhecemos na maneira como elas lidam com a vida na Amazônia. É um vocabulário que não reconhecemos, de conexões que já desaprendemos. Um novo olhar, como no movimento das Sementeiras, que colhem sementes das plantas da região e preservam, trocam, plantam, colhem os frutos da sua natureza. Há uma poderosa simbologia neste ato de preservar sementes, que são a nossa própria essência. São coisas que devemos aprender: a força da Amazônia é uma mulher.

Crianças de Tamakwera, em Altamira. Foto: Rogério Soares.
Rogério Soares trabalha documentando questões ambientais e de direitos humanos na Amazônia. Seu último filme, River Silence, teve lançamento mundial no Hot Docs Festival de Toronto, no mês passado, e foi premiado com uma Menção Honrosa. O filme foi coproduzido pelo EyeSteelFilm e National Film Board of Canada, em associação com a TVO.
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