Não deixe a Rádio Inconfidência morrer

A Brasileiríssima.

Detalhe do cartaz de comemoração de 25 anos da Rádio Inconfidência, que foi inaugurada em 1936.

Cristiano de Oliveira é colunista do Jornal de Toronto

No começo, quando eu ia ao Brasil visitar a família, tinha sempre um sonzinho e meus CDs no carro comigo. Nada chique ou barulhento, só o bastante pra tocar minha coleção de músicas enquanto eu rodava pela noite de Belo Horizonte em busca de um mexidão, um Xis-Tudo de trailer ou um caldo de feijão – homem sistemático não vai atrás dessa tal “balada” não! Aliás, essa expressão é algo com que nunca concordei. Como assim, “balada”? Você vai sair à noite pra cantar música romântica? Vai musicar lendas de heróis na pracinha? Gíria besta… E agora só me falta falar “no meu tempo não tinha disso” pra ganhar o Troféu Corega de Véio Mais Chato da cidade, que em inglês é Corega Trophy of Old Enjoator Foot in the Bag Man.

Pois há um bom tempo, em uma das minhas visitas, resolvi conferir as rádios locais pra saber das modas. Parei na mais antiga das estações, a Rádio Inconfidência, conhecida desde a infância como “a Brasileiríssima”. Lógico que eu a conhecia, afinal, a rádio tem 83 anos e é a casa do lendário Tutti Maravilha, produtor teatral nos anos 80 e conhecedor em nível além-biográfico de Elis Regina, que há 30 anos soma à tendência da emissora de garantir espaço para veteranos e também novos músicos. Foi a rádio que lançou Clara Nunes e abrigou por 63 anos o locutor esportivo Jairo Anatólio Lima, cujo pai criou, também ali na Inconfidência, o programa de rádio mais antigo em atividade no Brasil e – há quem diga, mas não encontrei provas – no mundo, “A Hora do Fazendeiro”, transmitido pela AM desde 1937. Conhecer a rádio, eu conhecia. Mas quando a gente sai do Brasil é que dá valor ao que deixou, e foi só naquele momento que eu finalmente resolvi escutá-la. E desde então, nunca mais ouvi um CD no carro em BH.

Prédio da primeira sede da Rádio Inconfidência, de 1936 a 1967, onde hoje fica a estação rodoviária de Belo Horizonte.

A Inconfidência é excelente. Uma programação 100% nacional e de qualidade, enquanto todas as outras se dedicam a qualquer bobagem estrangeira (se até St. Patrick’s Day e Halloween os beija-gringos já estão comemorando no Brasil… O único irlandês que passou por lá até hoje foi um disco do U2, mas tem St. Patrick’s Day, tá?), às coisas tristes da música brasileira ou à programação religiosa. A última rádio a se manter firme, sem se render às modinhas. Como esperado, ela conseguiu esse feito sendo uma rádio estatal, pois infelizmente a cultura não dá lucro, nem no Brasil nem em lugar nenhum – vá ver o aperto que a CBC passa! E o novo governo de Minas Gerais já avisou: a ideia é acabar com a emissora AM e, caso a FM não dê lucro de $3 milhões até ano que vem, acaba também. O que significa virar rádio comercial tocando Ariana Frangue e Marliéria & Marataízes, ou então fechar. E os cortes já começaram.

Cortes de verba na cultura representam uma economia porca, que futuramente trazem reflexos catastróficos. Após o anúncio da extinção da Rádio, o governo perdeu a primeira batalha, devido à pressão popular que se criou, mas essa guerra ainda não acabou. Não sei se a qualidade vai dar lugar ao caça-níqueis, mas enquanto isso não acontece, convido vocês a ouvir e apoiar o melhor da música brasileira e da cultura mineira que a Rádio Inconfidência de Belo Horizonte bravamente ainda nos traz.

Adeus, cinco letras que choram.

Sobre Cristiano de Oliveira (30 artigos)
Cristiano é mineiro, atleticano de passar mal, formado em Ciência da Computação no Brasil e pós-graduado em Marketing Management no Canadá. Foi colunista do jornal Brasil News por 12 anos. É um grande cronista do samba e das letras.

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