Notícias da Baixada
Cristiano de Oliveira é colunista do Jornal de Toronto
Conforme eu dizia na penúltima edição, mais uma visita anual ao Brasil se deu e, como sempre faço desde 2004, eu a aproveito pra gerar matéria pra jornal, pois sou um cidadão muito sem assunto. O povo bocudo que vem discutir comigo na internet geralmente diz que eu deveria ir estudar, especialmente agora que as Faculdades Integradas Whatsapp oferecem cursos de Ciênssa Pulítica e Barraco Quântico a custo zero, mas agora é tarde: já dediquei minha vida a outras atividades igualmente gratificantes, como engenharia de som de disco de curió, tráfico de DipN’Lik, purrinha valendo e criação de porquinho da Índia.
Pois é, falávamos de Brasil e o que eu vi por lá. A conclusão principal é simples: o brasileiro concorre na cabeça ao título de povo mais folgado do planeta. E vale pra todos nós, pois hoje aqui, convivendo com esse povo todo cheio de regrinha, a gente vê a folga do brasileiro e se horroriza, mas enquanto estávamos lá nunca nem sonhamos em ficar à direita na escada rolante. E o que leva uma pessoa a dirigir pela madrugada, por entre as ruas de bairros residenciais, com as janelas abertas e o som tão alto que nos faz pensar que um carro de telemensagem ressuscitou do inferno pra assombrar a cidade? O cara quer ouvir som alto, e as centenas de pessoas dormindo que se lasquem com molho e farofa. É a famosa “folga”.
Talvez a folga esteja ligada a outro fenômeno que testemunhei: a dedicação do brasileiro a se declarar o cidadão mais miserável do planeta. Nem tente contar para um brasileiro sobre algum aperto que você passa ou passou no Canadá, pois é igual discutir com menino: ele vai te cortar com algo do tipo “ahn, ahn, e nós aqui no Brasil que temos que encarar x, y…”. Meu irmão, eu não tô entrando em concurso de quem boia menos quando cai em fossa, eu tô só contando um caso! Mas o cara vai sempre tentar provar que ele é mais lascado que você. Talvez a folga seja até uma reação a esse sentimento de fuleiragem pessoal, algo do tipo “eu sou o bicho mais sem futuro do planeta, então vou fazer tudo que eu quero porque, tadinho de mim, eu mereço”. Mas posso estar errado, a folga pode ser simples resultado do camarada ser um cabrinha mal-educado mesmo.
Mas minha penúltima noite no Brasil trouxe algo inusitado: um sonho. Eu nunca lembro de sonho nenhum, pois durmo como uma pedra que assiste beisebol. Mas naquele dia acordei com o sonho nítido na memória, e logo anotei o que lembrava pra não esquecer. No sonho, eu saía do meu carro no Brasil e uma mendiga enfurecida vinha correndo pra cima de mim com uma faca. Pouco depois, estou tentando entrar num evento no Canadá, e a mulher da portaria diz que meu assento tinha sido ocupado por outra pessoa e eu teria que ficar em pé. Reclamei, e um cara também da portaria me diz que eu deveria achar bom, pois poderia estar “in Sao Paulo watching some crap from the top of a building” – anotei a frase certinha assim que acordei. Nem vou precisar do livro do Pedro de Lara pra interpretar esse sonho, já entendi que não existe paraíso.
Adeus, cinco letras que choram.
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