Reflexões de uma expatriada americana para expatriados brasileiros

O Brasil está no meio do mesmo tipo de ódio e impulsos antidemocráticos que tomaram conta dos Estados Unidos.

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Emma Sheppard é escritora e professora de inglês

Quando Donald Trump estava concorrendo para presidente, eu sabia que isso não era boa coisa. Eu sabia que ele estava falando diretamente para um profundo e terrível impulso que habita dentro de milhares de meus compatriotas. Mas eu me sentia isolada disso, e tinha de ficar me relembrando, o tempo todo, que isso era algo real. Isso se deveu, em parte, ao fato de que, naquele momento, eu já morava fora dos Estados Unidos havia seis anos; e também porque, por conta dos grupos de pessoas que construí à minha volta, meus feeds de mídia social eram totalmente desprovidos do ódio que eu sabia que muitos outros estavam se deparando. Eles estavam, ao contrário, gritando com a raiva, o medo e a resistência que eu sentia – ou até mais.

Passando para os dias de hoje, o Brasil – um país onde vivi por apenas dois anos, mas que ainda ocupa um lugar especial no meu coração e na minha visão de mundo – está no meio de seu próprio confronto, com o tipo de ódio e impulsos antidemocráticos que tomaram conta do meu próprio país. E por razões que ainda me deparo, todos os dias que eu faço login no meu Facebook, estou vendo mais e mais pessoas apoiando um candidato que, a mim, parece totalmente sem condições de ser defendido. Eu não vejo qualquer semelhança – baseada no que eu entendo sobre raça, classe ou região – entre aqueles que se vestem com o falso nacionalismo azul e verde junto ao nome de Bolsonaro, e aqueles cujo perfil permanece vermelho para Haddad.

Relacionando especialmente com a região Norte, onde morei, e não apenas a paisagem razoavelmente urbana de Belém, mas com o sul do Pará, onde as estradas permanecem sem asfalto e há outdoors amarelados prometendo a eletricidade que nunca chegou, eu custo a entender como as pessoas daqueles lugares que, pelo que eu vejo, são as receptoras do apoio do PT e do escárnio de Bolsonaro, poderiam apoiar alguém cuja definição fundamental de Brasil os deixará ainda mais para trás do que já estão.

Nos Estados Unidos, eu não apenas estava muito distante dos partidários de Trump, em virtude de minha classe e raça (e, é claro, meu status de expatriada), mas também quase totalmente protegida de suas políticas. No Brasil, enquanto assisto à luta todos os dias em meu feed de notícias – em uma terra que amo, mas que sempre sofro pelo progresso que ainda não veio –, vejo pessoas que estarão muito menos protegidas do mal que Bolsonaro pode fazer, e ainda o apoiarão.

Assim como vi em 2016, vejo pessoas dizendo que não querem perder amigos por causa da política – o que parece correto, em teoria. Mas já não estamos falando de política, estamos falando sobre a identidade de um país, e de quem pertence a ele. Essa resposta deveria ser “a todas as pessoas”, independentemente de raça, sexo ou orientação. Esse é o valor pelo qual se deve votar, e pelo qual vale a pena lutar e proteger.

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