O comunista, esse desconhecido

O brasileiro tem um apelido maldoso pra tudo: traíra, corno, frango, coxinha… e em época de eleição…

Cristiano de Oliveira é colunista do Jornal de Toronto

Dentre as coisas mais típicas da cultura brasileira, além do palito Gina e do amor pela corrupção desde que ela nos favoreça, uma das coisas que mais se destaca é o desaforo. Ah, como é bom apontar o dedo na cara do outro e falar um bocado de nomes… Você já viu algum outro país com tanto nome disponível pra se xingar o próximo? O brasileiro tem um apelido maldoso pra tudo: traíra, corno, frango, coxinha… e em época de eleição, surge o mais temido, o mais velho, o Mum-Rá dos apelidos: o comunista!

Pense num nome antigo! Seu sentido se perdeu no tempo e virou apenas outra palavra difícil que é bacana falar. Hoje em dia, no meio da discussão política, quando um diz para o outro que “você é um comunista!”, ele não quer dizer “você é um seguidor do ideário de Marx e Engels”. Ninguém nem sabe o que é isso mais; mas continuam chamando todo mundo de comunista porque vô fazia assim, ou coisa do gênero. Na cabeça do desaforado, o que ele está realmente querendo dizer é “você deve ser aquele cigano que aparecia no Jubileu de Manhumirim e o povo dizia que sujava a praça e sequestrava menino”.

É inimaginável que, em pleno 2018, alguém ainda esteja com medo do perigosíssimo comunista. O que é um comunista? Como se identifica um? Se estiver fumando Minister e tomando Conhaque de Alcatrão São João da Barra, é porque é comunista? Falam dele como se fosse um cara que saiu do bar muito doido e mandou avisar que tá indo pra sua casa bagunçar sua gaveta de meias! E o pior é que há décadas a situação se repete. Sempre que é preciso instilar medo na população, basta falar que fulano é comunista e pronto, está criado um inimigo público – ninguém sabe por quê, mas todos concordam que deve ser uma coisa muito ruim.

Engraçado é que o papo começa logo que alguém tenta justamente melhorar a vida do povo: quando Getúlio Vargas criou as férias remuneradas e o décimo terceiro, ele foi chamado de comunista também. Justo ele, que de comunista não tinha nada e até andara flertando com Hitler alguns anos antes.

A verdade é que basta pensar em ascensão social das classes mais baixas e você já pode esperar alguém pra te chamar de comunista. É apontar dedo primeiro pra pensar depois – ou abrir uma revistinha do Cascão depois, pois é muito mais fácil do que pensar e ainda tem um caça-palavra no meio. Criam um monte de historinhas de terror grotescas e sem fundamento – pintar a bandeira brasileira de vermelho? É preciso ter um furúnculo no cérebro pra acreditar numa coisa dessas – simplesmente pra evitar que a população pare e pense: “Peraí; tão chamando esse cara de comunista por quê?”. Reduzir o questionamento e trocá-lo por um apelido que pega rápido, eis o velho plano de alienação popular. Foi assim com Anões do Orçamento, com Pedaladas, etc.

Não, eu não acredito nesse medo velho caduco de comunista. Eu tenho certeza absoluta de que um cara não vai entrar lá em casa e pegar minhas cuecas pra distribuir pra multidão. Nem que Guarapari vai virar Cuba – só se for Cubatão, o que aliás já deve estar encaminhado.

Vote em quem quiser, só não deixe que o medo guie seu voto.

Adeus, cinco letras que choram.

Sobre Cristiano de Oliveira (30 artigos)
Cristiano é mineiro, atleticano de passar mal, formado em Ciência da Computação no Brasil e pós-graduado em Marketing Management no Canadá. Foi colunista do jornal Brasil News por 12 anos. É um grande cronista do samba e das letras.

2 comentários em O comunista, esse desconhecido

  1. Excelente texto, linguagem leve e informações bem colocadas, parabéns! O brasileiro, como o próprio brasileiro diz, precisa ser estudado pela NASA! 🙂 Abraços!

  2. Parabéns, Cristiano, pelo texto: quem dera muitos e muitos e muitos brasileiros pensassem e agissem assim! 🙂

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