Neutralidade e política

Quando ser imparcial significa, na verdade, escolher um lado

Rosana Entler

Tá bom, você não gosta de falar de política. Essa conversa de esquerda e direita tá mais parecendo discussão de time de futebol. Você se coloca à parte dos bate-bocas na mídia social, não foi bloqueada(o), e o grupo da família segue na paz com os memes de “bom dias” com crianças sorrindo e flores com luzinhas piscando. Dessa balburdia chamada política você se considera isento.

Mas como ficar realmente isento na conjuntura política mundial? Praticamente impossível. A partir do momento em que nos posicionamos em relação aos movimentos migratórios, à qualidade dos sistemas educacional e de saúde, à eficiência do transporte público, estamos sim falando sobre política. Mais do que isso, o simples exercício da cidadania já é, por si só, um ato político.

Podemos não acompanhar os movimentos dos bancos centrais em relação à taxa Selic, mas sabemos se os juros do nosso cartão aumentaram. Não entendemos direito a relação entre produto interno bruto e a inflação, mas sabemos dizer se o nosso poder de compra aumentou ou diminuiu. Sabemos quanto tempo deveríamos levar até o trabalho, e reclamamos com propriedade da infra-estrutura oferecida versus impostos pagos. Portanto, falamos de política mesmo quando não estamos falando deste ou daquele partido político.

Se a coisa tá ruim ela pode ficar pior sim; portanto, é hora de parar e refletir. Tipo meditação, todo dia, pelo menos por uma hora, sem prestar atenção nos ruídos, sozinhos com nossa consciência política. Em que realmente acreditamos? No livre mercado? Foco principal no social? No meio termo entre os dois? E qual ideologia política se aproxima mais das nossas ideologias pessoais?

O mais bonito da democracia e liberdade de expressão – guardadas as devidas proporções sobre o que passa a ser considerado crime de ódio e ataques aos direitos humanos – é o debate leal, que acrescenta, cujo resultado expressa o desejo da maioria de um povo. Se o resultado do pleito não for aquele que gostaríamos que fosse, teremos que aumentar o debate e exercer o direito democrático no próximo período eleitoral. Isso é democracia.

Também não adianta se autodenominar isento e colocar a decisão nas mãos das divindades superiores, primeiro porque o Estado é – e deve continuar sendo – laico, mas também porque não foi nenhuma força divina que inventou teorias econômicas, relações trabalhistas, cargas tributárias, sistemas previdenciários, só pra citar algumas das leis criadas pelos mortais.

Ao final, independentemente de quão apolítico ou avesso à política formos, sempre haverá um grupo de políticos legislando e outro executando programas de governo – e, em todos os casos, interferindo diretamente na sociedade em que estamos inseridos, e cujas consequências afetarão não só a nossa, mas também as gerações futuras. Votar é um direito e um privilégio que, como se diz por aqui, “cannot be taken for granted”.

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