Como fica a cabeça na construção ou na faxina?

Mesmo chegando com formação superior e experiência, muitos acabam trabalhando na construção ou na faxina como única opção.

Foto: Anna Waldl.

José Francisco Schuster é colunista do Jornal de Toronto

A propaganda no Brasil muitas vezes é de que o Canadá seria mais ou menos como o Velho Oeste, uma terra abandonada pronta para ser desbravada e para oferecer muito lucro aos aventureiros. A ilusão de ser um bandeirante do século 21 cai em uma simples consulta à Wikipédia, onde está uma foto de Dom Pedro II, que já em 1876 fazia a visitinha básica às Cataratas de Niágara. Segundo, é preciso dar-se conta que se está escolhendo o Canadá para viver – e não as Botas-do-Judas – justamente porque é um país do G7, cheio de excelentes universidades despejando profissionais. Não é, portanto, terra de cego, o que significa que, mesmo chegando com dois olhos, formação superior e experiência, muitos acabam trabalhando na construção ou na faxina como única opção.

Mas o que significa isso para a cabeça do brasileiro? Perguntamos a três profissionais da área da Psicologia. Tania Maria Freire Aloísio afirmou que “profissionais verdadeiramente vocacionados à sua profissão, ou previamente bem remunerados, podem ter problemas psicológicos, como depressão e distúrbios de ansiedade, por contínuos pensamentos de fracasso e consequente baixa autoestima, por não se sentirem valorizados fazendo algo abaixo de seu potencial intelectual”. Observou, porém, que outros podem fazer deste momento um desafio a ser vencido, o tempo para ganharem algum dinheiro para investirem em um College e assim terem um novo futuro profissional. “Com objetivo planejado, essas pessoas terão uma resiliência maior para enfrentar dificuldades”, afirmou.

Já Valda Lopo considera que um trabalho na construção ou na faxina pode ser visto até como um sucesso para alguns. “Pode ser alguém que foi forçado pela família a estudar para advogado e que nestas profissões encontrará sua independência financeira”, considera. Para ela, depende da personalidade, expectativa e motivo pelo qual o imigrante está vindo para o Canadá. “Sem falar inglês, é até positivo buscar estas profissões. É questionável que se veja sempre como negativo, e ainda pode ser uma fase passageira”, afirmou Valda.

Na opinião de Teresa Ferreira, por sua vez, a chegada ao Canadá inclui um choque cultural com a nova língua, nova moradia, novo emprego, novos amigos, novo clima e a distância dos familiares. “É bem possível que o imigrante fique desapontado, devido às oportunidades limitadas. As exigências são muito rigorosas para os próprios residentes”, afirma. Assim, ao entrar em um campo de trabalho diferente, podem haver sentimentos de angústia, de estar sem rumo, de sentir que merece algo melhor, de raiva, incapacidade, vulnerabilidade e outros.

Ela adverte que normalmente o imigrante tem necessidade de desabafar ou aliviar estes sentimentos e podem, em vez de procurar ajuda psicológica, buscar meios de escape práticos que propiciam alívio temporário “com efeitos devastadores”, como o álcool. Para Teresa, um imigrante de poucas posses, entretanto, terá menos dificuldades, por não criar expectativas tão ambiciosas. “A ambição e as expectativas irreais que se cria antes de imigrar são os fundamentos da infelicidade do imigrante, principalmente no primeiro ano”, afirmou. Segundo ela, as pessoas quando imigram para o Canadá não devem criar expectativas, uma vez que vêm de culturas completamente diferentes e as coisas não funcionam conforme imaginam. “A mudança para o Canadá implica uma mentalidade aberta de adaptação”, concluiu.

Sobre José Francisco Schuster (70 artigos)
Com quase 40 anos de experiência como jornalista, Schuster atuou em grandes jornais, revistas, emissoras de rádio e TV no Brasil. Ao longo dos últimos 10 anos, tem produzido programas de rádio para a comunidade brasileira no Canadá, como o "Fala, Brasil" e o "Noites da CHIN - Brasil". Schuster agora comanda o programa "Fala Toronto", nos estúdios do Jornal de Toronto.

2 comentários em Como fica a cabeça na construção ou na faxina?

  1. Muito bom o artigo Schuster, mas ainda existe grandes oportunidades especialmente para os mais empreendedores, vale a pena lembrar que existem trabalhadores na construção com padrão de vida melhor que muito “doutor” no Brasil.

  2. Vale também lembrar que muita gente também faz carreira e é bem sucedida na faxina e na construção, pois a chamada “como fica a cabeça…” (???!!!) Ficou com tom pejorativo para essas profissões que são como qualquer outra.

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