Vencedor ou vencedores, eis uma questão
Dalmir Lott é músico em Belo Horizonte
Compreender a sociedade moderna é um desafio diário. Hoje, por exemplo, sábado de manhã, estava com minha filha de três anos num parquinho público, com outras crianças por perto. Normalmente trazem brinquedos de casa e as demais se sentem atraídas pelo alheio e se aproximam na tentativa de experimentar. Então, forma-se um grupo de crianças nesta faixa de idade e minha menina se insere. Entre estas crianças, agora aparecem outras mais novinhas.
Uma destas, dona de um brinquedo, reluta em emprestar seu helicóptero de plástico e verbaliza “Não! É meu!”, e o abraça. Vieram os pais e a orientaram:
– Você tem que partilhar. Tem que emprestar. Temos todos que partilhar. Vamos partilhar, ok? Depois ela vai te emprestar os brinquedos dela também.
A desconstrução começa quando vemos que no decorrer do tempo nos tornamos insensíveis ao direcionamento da melhor distribuição – a da riqueza no país e no mundo. E passamos a questionar ou refutar qualquer ideia semelhante em um nível social ou político.
Enquanto penso nisso, prestando atenção em minha filha, observo a iniciativa de um adulto com outras cinco crianças mais ao lado, todas na faixa etária entre cinco e seis anos – mais velhas, portanto. O adulto está ocupado em criar brincadeiras dinâmicas entre elas. De repente, tem uma ideia:
– Atenção, todos aqui atravessando esta barra com as mãos. O que levar menos tempo é o campeão! Vamos lá!
Dá-se início a disputa. O tempo de cada um é medido. Ao final, o adulto revela quem ganhou. O campeão se sente radiante. Os demais têm o semblante desapontado. Passaram agora à condição de derrotados.
Neste exemplo acima não há partilha da alegria, não há partilha da vitória, nem a partilha de que houve um sincero e reconhecido esforço de cada um. Há apenas um lugar, o do vencedor; e que o mereceu por uma questão de segundos à frente dos demais. Ao longo dos anos, mais tarde, serão levados a acreditar que não fizeram o esforço suficiente para merecerem algum lugar de destaque social. Que não tiveram mérito. Que há apenas lugares para campeões.
Claro que não é tão simplista e reducionista que possa ser considerado absoluto o que digo, mas entendo que iniciamos tudo ensinando a partilhar e distribuir – tocados por uma moral –, no meio do caminho, desistimos de uma sociedade baseada nesta distribuição e, num dia fatídico, terminamos abraçados a um objeto ao qual, se pudéssemos, ainda diríamos aos presentes: “Não! É meu!”.
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