Resumo do verão
Cristiano de Oliveira é colunista do Jornal de Toronto
Saudações, beduínos do deserto.
E lá se foi mais um verão, e que verão gozado esse. Já estava no meio e parecia que ainda não tinha chegado direito. Enquanto no Brasil o povo congelava e reclamava da vida mais do que o normal, aqui a gente esperava o tempo firmar.
No começo, era o frio que não ia embora e deixava o povo derrubado. Conversar com as pessoas era como chegar ao interior e parar pra cumprimentar o pessoal sentado à porta de casa: “Ah meu fio, tá muito bom não, mas o que há de se fazer, né? É a vida…” E todo esse entusiasmo estilo “Éramos Seis” (acho que foi o livro mais depressivo que já li na vida) foi se desenrolando até que, um belo dia, a gente saiu de casa e lá estava um solzinho meio sem jeito, um calorzinho querendo vingar, e aquela sensação de que o portão do cemitério dormira aberto: por todos os lados, avançava uma legião de pernas tão brancas que pareciam ter sido passadas no ovo e farinha pra fritar. E quem sou eu pra falar alguma coisa, pois também virei sargento nesse Exército de Brancaleone.
A partir daí, o que se viu foi calor e chuva ao mesmo tempo, e essa é a combinação perfeita para que o Canadá complete sua maior trindade de símbolos de grandeza: a CN Tower, a Yonge Street e o pernilongo. Por vezes eu me perguntava se estava sendo mordido por um pernilongo ou uma águia, e se o interesse dele era só sangue mesmo ou se estava tentando inserir um cateter. Ô terra do pernilongo grande e bravo! E num verão chuvoso como esse, o bichinho cresce forte e sadio. Ouviu um barulho perto da orelha à noite? Não é voo de pernilongo não, ele tá só coçando as perninhas.
Pois lá estavam o calor, a chuva e o pernilongo. Vá lá, é uma combinação complicada, porém natural, e sendo a natureza incontestável, a gente aguenta sem chiar. O problema é quando chega o dedo cruel do homem pra dar dedada nas coisas da natureza, aterrorizar os povos e fazer mal às criaturas. E foi assim que o verão de calor, chuva e pernilongo ganhou o Despacito.
É duro! É todo dia, toda noite, em todo carro, toda mesinha de DJ… e na boca do povo que nunca sabe a letra inteira e ainda canta fazendo “nananana”. Que chiclete na cabeça! É muito triste perceber o poder destruidor das drogas, especialmente quando um tocador de surdo renomado e bem quisto na comunidade se flagra cantarolando o diabo do Despacito, enquanto arruma o basement de casa. O mundo é muito injusto: tanto assassino perigoso ouvindo vozes do além, enquanto o cidadão de bem é obrigado a ficar com a voz do Justin Bieber na cabeça. E pra completar o desastre, o rádio também agarrou naquela Wild Thoughts da Rihanna, cuja guitarrinha maldita (copiada descaradamente de Maria Maria do Santana – não é sampler, é plágio mesmo) está transformando o amor que eu tinha no coração em Emulsão Scott.
Mas no fim, por mais tenso que seja o verão, a conclusão é sempre a mesma: tava é bom demais. Ao menos não é inverno.
Adeus, cinco letras que choram.
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