Dialetos da língua portuguesa se encontram no Canadá
José Francisco Schuster estreia coluna mensal no Jornal de Toronto
José Farncisco Schuster é colunista do Jornal de Toronto
Geralmente, o brasileiro não se dá conta da expressiva presença portuguesa no Canadá até começar a pesquisar sobre o país. É uma surpresa descobrir que em Toronto há um bairro chamado “Little Portugal”, e que há um grande número de portugueses em diversas cidades de Ontário, Quebec e Colúmbia Britânica, em uma população estimada em 550 mil pessoas.
Embora os portugueses orgulhem-se de que o primeiro carteiro do Canadá tenha sido um português, Pedro da Silva, em 1693, a imigração lusa começou oficialmente em 1953, devido à crise que a economia da Europa enfrentava, após a Segunda Guerra Mundial. O início oficial da imigração do Brasil para o Canadá foi acontecer muito mais tarde, em 1987.
Sendo o Canadá um país cuja população conta com cerca de 22% de imigrantes, os brasileiros encontram aqui ainda outros falantes da língua portuguesa, como angolanos, cabo-verdianos e moçambicanos. Assim, como o número de brasileiros no Canadá é estimado em 60 mil pessoas, o número dos que falam o dialeto brasileiro é muito inferior aos que falam o dialeto europeu. É uma situação oposta ao que ocorre em nível mundial, onde 205 dos 273 milhões dos falantes da língua portuguesa são brasileiros e, portanto, usam o dialeto do Brasil.
O brasileiro costuma levar algum tempo até acostumar o ouvido e entender a pronúncia portuguesa, especialmente se for no tão falado sub-dialeto açoriano, mais difícil ainda de entender – lembrando que mais de 60% dos imigrantes portugueses vieram dos Açores. Além disso, não há um dialeto açoriano único, com cada uma das nove ilhas do arquipélago apresentando variantes. O mais importante deles é o micaelense, da ilha de São Miguel.
Com povoadores da França, percebe-se no micaelense traços da língua francesa. A vogal “u”, por exemplo, é muito fechada, assim como no francês, distinguindo-se facilmente do “o”. O ditongo “oi” é pronunciado como “ou”. Assim “noite” vira “nout”. O “e” pode virar um “a” fechado, como em “certeza”, que vira “certâza”. Em termos de conjugação, o “nós” é muitas vezes substituído por “a gente”. Assim, o açoriano não fala “nós fomos à praia”, mas “a gente fou pá praia”. E, como os gaúchos herdaram, não se fala “você” ou “vós” (este último ainda utilizado no português europeu), mas “tu”.
Para o brasileiro que chega, buscando aproximar-se da comunidade portuguesa, para se sentir mais ambientado ou em busca de emprego, aprender o dialeto do português torna-se uma necessidade tão básica quanto aprimorar o inglês. Eu mesmo, pouco depois de chegar, um dia fui a um restaurante português, em busca de uma refeição com paladar mais conhecido, e perguntei pelo prato do dia; no que o açoriano respondeu “pôsh”. Como nem repetir estava adiantando, alguém traduziu para “fish”. Ah, peixe! Às vezes é mais fácil entender inglês do que o dialeto açoriano! Por outro lado, açorianos já me retrucaram “Eu não falo espanhol”, quando eu falava português brasileiro – que, para eles, é “cantado”, como o espanhol.
Quem imaginaria, ao imigrar, que o Canadá seria também uma oportunidade de conhecer facetas da língua portuguesa, que não conhecemos no Brasil?
Deixe uma resposta