Interpretação de texto é problema para muitos

Ler um texto e não o entender, ou não saber o que fazer a partir dele, é o mesmo que nada

Foto: Raman Spirydonau.

José Francisco Schuster é colunista do Jornal de Toronto

Os países, inclusive Brasil e Canadá, avançaram muito em termos de alfabetização. Entretanto, muitos ainda não sabem dizer qual é a cor do cavalo branco do Napoleão. Ou seja, ainda é preciso avançar muito em termos de interpretação de texto, apesar de se frequentar mais de uma década a escola, somente contando os ensinos Fundamental e Médio. Ler um texto e não o entender – o chamado analfabetismo funcional –, ou não saber o que fazer a partir dele, é o mesmo que nada. Ainda é necessário um grande avanço em termos de fazer com que os leitores compreendam a mensagem feita pelo emissor, para que a leitura faça sentido.

E não estou me referindo aqui a textos acadêmicos: o problema ocorre até no simples preenchimento de formulários do dia-a-dia, onde são perguntados dados a respeito da vida do leitor, que seria a pessoa mais qualificada para respondê-los com precisão. Também não me refiro ao desconhecimento sobre dados de sua própria vida, o que é também algo muito comum, como ignorar números de seus próprios documentos, seu endereço anterior e até seu código postal, deixando em branco itens vitais para que seu pedido seja avaliado e aceito.

A questão que aqui tratamos é a desatenção ou a falta de entendimento sobre as questões que são propostas. O fato é que não é raro que, no preenchimento, seja trocada a data de nascimento pela data de hoje e vice-versa, ou o primeiro nome pelo sobrenome, e assim por diante. Estado civil, por incrível que pareça, é uma pergunta difícil para muitos, mesmo com hoje estando incluída em todos os formulários a opção de união estável. Já aconteceu de certa vez escolherem “outros” em estado civil e colocarem a explicação “ela me deixou por outro em 2017”.

O fato é que, perante uma carta recebida ou um formulário a ser preenchido na internet, a reação de vários é ligar para o atendimento ao cliente e perguntar “o que eu tenho que fazer?”, quando a resposta está na sua frente, nos mínimos detalhes. Ironicamente, o que os atendentes fazem é ler a cópia da carta ou o site para quem está do outro lado da linha. Em perguntas por e-mail, basta copiar e colar a resposta que está prontinha no site.

O curioso é que neste mundo de experts em redes sociais, onde ficam postando ininterruptamente no TikTok, no Instagram, no Facebook e no X-Twitter, quando o atendimento ao cliente diz que a resposta está no site, é um Deus nos acuda: “que site, onde, como vou achar isso?”, como se nunca tivessem tido notícia da existência do Google na vida.

Dado o desconto a sites e cartas que apelam para termos jurídicos – como se os seus leitores fossem todos advogados –, na maioria dos casos é um simples problema de ler com atenção o que está escrito. Aliás, já era hora de não existir mais uma pessoa encarregada na casa de responder qualquer pergunta, e eliminar-se a resposta “Isso é com meu marido”, “com meu filho”, ou “com meu pai”, se é a respeito da sua vida.

Note-se que estamos falando de dados pessoais do leitor, onde o esperado era gabaritar a interpretação do texto em cinco minutos. Mas se já há entraves aqui, imaginem quando passamos a interpretar textos sobre esse mundão? Por exemplo, como escolher entre dois produtos, comparando-se suas propagandas? É preciso atenção e dar-se conta, por exemplo, de que o aparelho de ar-condicionado em oferta tem menos BTUs e, portanto, será um fiasco ao ser instalado na sala de estar, já que foi projetado para um pequeno dormitório. Já se um médico não indicar como deve ser tomado um medicamento, uma interpretação errônea da bula pode ser perigosa para a própria saúde.

E então chegamos ao nível hard da interpretação de texto, que é lidar com pessoas de má-fé enviando mensagens para seus fins escusos. É preciso formar um discernimento e um senso crítico ao interpretar para não cair em golpes cada vez mais numerosos, como as populares chamadas telefônicas que seriam da Receita Federal ou da imigração ameaçando lhe prender se não fizer o que eles dizem. E aí chegam as fake news aos borbotões nas suas redes sociais, onde ingênuos não só acreditam, mas as repassam em grande volume, não se dando conta que por trás está um mau-caráter com as piores intenções. Nem precisa ser muito esperto para desconfiar de algumas, no nível de que Lula vai gastar milhões na construção de um muro na fronteira entre o Brasil e os Estados Unidos. Mesmo assim, vários caem. E repassam.

Por fim, só com cidadãos muito bem formados chegaremos ao ápice da interpretação, que é tomar decisões políticas corretamente. Todos os políticos se apresentam dizendo que querem o melhor para a cidade, para o estado e o país, mas claro que diversos deles têm apenas interesse em beneficiar seu próprio bolso ou a elite a qual pertencem, através de mão-de-obra barata e sem direitos. Por trás do santinho de um candidato sorridente pode estar alguém que deseja, na verdade, o mal do eleitor. Em resumo, sem o desenvolvimento na população de uma boa interpretação de texto e de um senso crítico, pode-se até afundar um país – e há muitos exemplos mundo afora para comprovar, do nazismo a golpes militares e civis.

Sobre José Francisco Schuster (76 artigos)
Com quase 40 anos de experiência como jornalista, Schuster atuou em grandes jornais, revistas, emissoras de rádio e TV no Brasil. Ao longo dos últimos 10 anos, tem produzido programas de rádio para a comunidade brasileira no Canadá, como o "Fala, Brasil" e o "Noites da CHIN - Brasil". Schuster agora comanda o programa "Fala Toronto", nos estúdios do Jornal de Toronto.

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