Pessoas vespertinas merecem inclusão

Será que “Deus ajuda a quem cedo madruga”?

Foto: Pexels.

José Francisco Schuster é colunista do Jornal de Toronto

“Deus ajuda a quem cedo madruga” é um ditado ainda em voga, já que não faz muitas gerações que deixamos de ser uma sociedade que dependia da luz solar para a execução de suas atividades. A energia elétrica se popularizou há menos de um século, e sua chegada às áreas rurais é ainda mais recente. Certamente seus pais ou avós têm histórias para contar do tempo do uso de lampiões e velas para iluminação noturna.

Assim, não faz tanto tempo que, após o escurecer, a rotina era jantar com um fraco luzeiro desses iluminando, um dedo de prosa na porta de casa em família e com os vizinhos, e ir dormir, pois nada havia mais a fazer. Além disso, era preciso estar pronto para levantar-se com o alvorecer, para aproveitar ao máximo a luz do sol.

Se a eletricidade se estabeleceu inicialmente de forma escassa, com a regra sendo uma fraca lâmpada incandescente no centro de cada peça da casa e nada mais, trouxe junto oportunidades de lazer à noite até então impensáveis. Assim, surgiram o rádio, a vitrola e o cinema, convidando para aproveitar um pouco da noite, antes de dormir. A música ao vivo e os bailes ganharam espaço ao deixarem de depender da voz potente de tenores, barítonos e sopranos junto a grandes orquestras, com a revolução do microfone, permitindo que João Gilberto cante quase sussurrando com seu violão e, mesmo assim, seja escutado perfeitamente por uma grande plateia. A televisão, em seguida, provocou uma revolução na cultura de massas e muitos já não iam dormir antes do final de seu programa favorito.

Percebeu-se, então, que, mesmo com luz solar, empregados teriam melhor visão e, assim, maior produtividade se a luz estivesse ligada em escritórios e fábricas durante o dia. Também aumentou o rendimento dos estudantes nas escolas com a iluminação artificial, mesmo com o sol brilhando lá fora. E o comércio descobriu que uma farta iluminação atrai muito mais atenção para seus produtos, a qualquer hora do dia.

Esses fatores podem ter deixado muito mais evidentes os cronotipos, ou seja, as pessoas matutinas, vespertinas e mistas, as que “funcionam melhor” respectivamente pela manhã, mais para o final do dia ou no meio do dia. Existem muitos estudos a respeito, e é só dar um Google que se encontra. O importante é destacar que, contrariando o ditado do início do texto, vespertinos e mistos não são preguiçosos, mas apenas possuem uma biologia diferente.

Neste contexto, aliás, viva a diversidade! Vejamos: se todos os negócios seguissem o velho horário comercial tradicional do Brasil, das 8h às 12h e das 14 às 18 horas, as vendas seriam zero, pois todos estariam trabalhando ao mesmo tempo, e ninguém teria tempo de comprar de ninguém. A variedade de horários é que permite que um vá na empresa do outro e tenha tempo de comprar! Se o comércio, especialmente, deu-se conta disso e esticou seus horários, no Brasil ainda é preciso pedir ao patrão licença para dar uma “fugidinha” para ir ao banco, se você não conseguir ir no seu horário de almoço, devido ao expediente restrito.

Neste quesito, o Canadá já se deu conta que os bancos podem atrair clientes e evitar filas gigantescas com expediente que chega a ser das 8 às 20 horas, e inclusive abrir sábados e domingos. Não depender mais da luz solar também faz com que hoje praticamente ninguém mais acorde com a ideia de tomar o café da manhã e sair correndo para comprar uma roupa ou um sapato, e por isso a regra dos shopping centers [malls] é abrir apenas às 10 horas e fechar às 21 ou 22 horas.

Apesar desses avanços, entretanto, o tradicional horário comercial ainda é muito arraigado em todos os lugares, impedindo que as pessoas vespertinas possam oferecer o máximo de sua produtividade, já que precisam acordar muito cedo para seus padrões. O horário bastante padronizado também é negativo para o planejamento urbano, sendo o causador dos enormes engarrafamentos de trânsito cedo pela manhã e no final da tarde, de restaurantes congestionados na mesma hora para o almoço e assim por diante.

Por que não adotar uma maior flexibilidade de horário, o que seria interessante para todos? A empresa aberta por mais horas atingiria melhor os clientes que também são vespertinos (atualmente precisando correr para encontrá-las abertas), espaçaria melhor a clientela ao longo do dia e, principalmente, teria funcionários muito mais satisfeitos e produtivos. Não esqueçam de que os madrugadores, por suas características, também cansam cedo, e aí justamente os vespertinos podem oferecer seu pico de produtividade e ainda chegar em casa com todo o gás para se divertir. Afinal, a noite é uma criança – ao menos para os vespertinos.

Sobre José Francisco Schuster (74 artigos)
Com quase 40 anos de experiência como jornalista, Schuster atuou em grandes jornais, revistas, emissoras de rádio e TV no Brasil. Ao longo dos últimos 10 anos, tem produzido programas de rádio para a comunidade brasileira no Canadá, como o "Fala, Brasil" e o "Noites da CHIN - Brasil". Schuster agora comanda o programa "Fala Toronto", nos estúdios do Jornal de Toronto.

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