O anarcocapitalismo de Javier Milei e a repercussão da eleição argentina no Brasil

Entre o peronismo e seu contraponto mais extremado

O candidato argentino Javier Milei. Foto: Razon Publica.

André Oliveira Rodolfo Marques são colunistas do Jornal de Toronto

As “P.A.S.O” (primárias argentinas), realizadas no dia 13 de agosto de 2023, apontaram o economista Javier Milei, candidato da coalizão La Libertad Avanza, como favorito à corrida presidencial argentina. Milei, vinculado à extrema-direita, se apresenta como um outsider em política, denunciando o fracasso das castas políticas argentinas em retirar o país da crise econômica endêmica que jogou 40% da população na faixa da pobreza.

Como sucede em casos similares, o fracasso dos partidos tradicionais em debelar a crise econômica, somado, não raro, à corrupção estatal robusta, favorece a ascensão de lideranças populistas que predicam contra as elites políticas e econômicas que atuariam contra os interesses populares. Aconteceu com a ascensão de Hugo Chávez em 1998 – COPEI e Aliança Democrática (AD), os principais partidos tradicionais, alternaram-se durante 40 anos no poder, desvelando alto grau de corrupção estatal e incapacidade de debelar a crise econômica – e parece suceder agora na Argentina com Milei.

No caso argentino, a novidade, no entanto, reside na agenda proposta por Milei, autodeclarado anarcocapitalista ou libertariano. Mas o que isto significa? Significa implementar o chamado Minimal State (Estado Mínimo), confiando na ideia central de que governos criam obstáculos à geração de riqueza, sendo o livre mercado o lócus da produção incessante de crescimento econômico combinado com liberdade política. Diversos autores fornecem o arcabouço teórico que sustenta tal concepção política, uma variante radical do liberalismo – vamos citar dois.

No livro Anarquia, Estado e Utopia, Robert Nozick apresenta o esboço do que seria o Estado Mínimo (ou “Estado guarda noturno”; no original, night-watchman State) cuja atuação se restringiria a poucas áreas como, por exemplo, diplomacia (relações exteriores), justiça e segurança pública. O “Estado guarda noturno” tem, portanto, funções limitadas a proteger todos os seus cidadãos contra a violência, roubo e fraude e ao reforço dos contratos.

Na visão de Nozick, apoiada por outros libertarianos, a promoção da chamada justiça social serve, frequentemente, para efetivar o saque estatal dos bens adquiridos legitimamente por quem produz ou inova. No mesmo passo, a russo-americana Ayn Rand sustentou em seu romance político A Revolta de Atlas a ideia primordial de que o Estado cria obstáculos monumentais às atividades de quem produz riqueza econômica. Não é por outra razão que os heróis do romance são todos industriais lutando desesperadamente para produzir sem os encargos sufocantes e abusivos do Estado predador e ineficiente.

Difícil projetar como essa agenda poderá ser implementada na Argentina de hoje, não somente em virtude da falta de precedentes históricos da referida experiência, mas, sobretudo, pela tradição argentina, alimentada pelo peronismo desde a década de 1940, de fomentar uma ampla rede de proteção social, o que inclui hoje subsídios ao gás de cozinha e gasolina. Algumas projeções indicam que a direita deverá vencer não apenas a eleição presidencial, mas também formar maioria no Congresso Nacional, supondo que o partido Juntos por el Cambio (JC) de Maurício Macri apoiaria o novo governo liderado pelo incandescente Milei – Sergio Massa, o candidato oficialista e atual ministro da Economia, ficou em terceiro lugar nas primárias. Seria uma guinada e tanto para a Argentina e também para o restante da América Latina com resultados imprevisíveis em todos os níveis.

Evidentemente, uma vitória de Javier Milei repercutiria no Brasil para o bem ou para o mal, dependendo do êxito ou fracasso do novo governo. Até aqui, a única certeza é a de que as eleições argentinas já produziram um clash of ideas como nunca antes visto entre o peronismo e seu contraponto mais extremado. A ver se produzirá também mudança na trajetória do país vizinho.

Sobre André Oliveira & Rodolfo Marques (37 artigos)
André Oliveira (à esquerda) é advogado com especialização em Direito Público, doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco e membro da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) desde 2009. Rodolfo Marques é analista judiciário, publicitário e jornalista; Mestre (UFPA) e Doutor (UFRGS) em Ciência Política, e professor de Comunicação Social na Universidade da Amazônia e na Faculdade de Estudos Avançados do Pará.

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