Equipes-esqueleto levam clientes ao abandono

“Tá tudo no site”

Imagem: Arek Socha.

José Francisco Schuster é colunista do Jornal de Toronto

Um dos efeitos colaterais da internet foi dar a ideia às empresas e órgãos públicos de que poderiam se livrar da responsabilidade de explicar aos clientes seus requerimentos. Para isso, bastou adotar o mantra “Tá tudo no site”. Com isso, sem funcionários para dar uma atenção personalizada aos clientes, resumiram-se a equipes de processamento dos serviços (o back office), sobrando mais para os charutos, iates, jatinhos e mansões dos CEOs. Se vire, problema seu.

Pobre do cliente com essa! Em vez de ir direto ao “x” que necessita, tem que navegar por um site onde, naturalmente, está de “a” a “z”, tomando tempo e esforço. Ou seja, o site não lhe dará diretamente o que necessita, sendo preciso clicar aqui, aqui, ali e ali até chegar lá. Para os funcionários, o site parece lógico, é mais um dia chato de trabalho repetindo 500 vezes a mesma tarefa, mas para o cliente é um enigma. Já nervoso porque, por exemplo, precisa tirar sua carteira de motorista, ainda tem que descobrir o caminho das pedras, sem ajuda alguma.

Não é tudo: ao chegar lá, não vai encontrar um humano para lhe explicar verbalmente o que vem ao caso, mas um mundo de informações. Afinal, é algo oficial, e por isso gera o temor de que possa ser “printado” e levado à Justiça se houver qualquer problema. Por isso, enche-se de jargões corporativos e de “jurisdiquês”. Não faltam extensos disclaimers (isenções de responsabilidade). Com isso, fica que nem bula de remédio: incompreensível, em letra miúda, mas com uma enorme lista de efeitos adversos para os quais o cliente fica prevenido, o que apavora e dá vontade de desistir, deixando uma clara sensação de que está entrando em uma canoa furada.

Começa a gincana de tentar enfrentar tudo isso, mas se empaca em vários lugares. Por exemplo, sites do Brasil podem pedir para preencher seu logradouro. Que raio é isso? Como o site não diz nada (para eles é algo óbvio), você terá que dar um Google ou perguntar a alguém para entender que é simplesmente rua, avenida, travessa, etc. de sua residência. Não tinha como simplificar?

Evidentemente que o cliente não consegue entender e cumprir todos os requisitos de primeira, por mais boa vontade que tenha. Assim, é uma viagem e um dia perdidos até chegar ao local, porque faltou isso, isso e isso. “Como que fez a fotografia sorrindo? Está no site que não pode sorrir!”, diz o funcionário. O cliente, de celular na mão, procura e procura a regra e não a acha, para então o atendente apontá-la em um lugar completamente inesperado. Eles não gostam de sorrisos.

Em alguns lugares, existe a pretensa facilidade de atendimento online. Pura ilusão: torna-se um interminável bate-e-volta de e-mails, sempre pedindo mais e mais. Acaba sendo mais demorado do que um atendimento presencial – que já exige espera em longas filas, pois, como dissemos, na equipe-esqueleto só restou um no balcão para o tsunami de clientes. Há muitos outros guichês, mas é apenas decorativo: estão fechados. No atendimento online, vão reclamar que o anexo não está na resolução adequada, que não pode ser menor que x nem maior que y. E você é profissional de TI para conseguir resolver isso?

Também é surreal que hoje você consegue telefonar até pra China instantaneamente e com perfeita clareza de som. Agora, não ouse ligar para uma empresa ou órgão público, que é aborrecimento na certa: quem atenderá é uma máquina, que lhe fará ouvir não um, mas vários longos menus até chegar aonde você quer. Ou, muitas vezes, o que você quer não está no menu. E agora? Bom, a etapa seguinte nas equipes-esqueleto é ouvir uma musiquinha chata interminável até que um funcionário solitário o atenda, como se você tivesse tirado o dia para fazer aquela ligação, como coisa mais importante do mundo.

Também se tornou obrigatório que você viva no mundo digital, não tendo sido deixado espaço a pessoas de baixa escolaridade, na pobreza ou idosos que não se adaptaram às máquinas. Vários serviços passaram a existir somente online, ou com exceções restritas. E quem não tem acesso a computador ou não sabe operá-los? Um ocupado caixa do banco só grita de longe que você tem que pegar uma senha no totem para ser atendido. E como uma pessoa nessas condições faz isso? A máquina é um enigma na sua frente.

Enfim, clientes de empresas e órgãos públicos sofrem hoje toda vez que precisam de um serviço. Em vez de algo que vai se resolver naturalmente, se torna um tortuoso caminho cheio de sobressaltos. Muitos, mesmo tendo uma razoável instrução, acabam desistindo porque não conseguem cumprir as instruções kafkanianas. Simplesmente, não tem ninguém para ajudar, não tem ninguém a quem perguntar. Você está só. E eles não se importam. A equipe-esqueleto já tem uma sobrecarga imensa de serviço à sua frente, e as barreiras digitais inclusive impedem de que saibam quantos sequer conseguiram entrar no barco – o sistema as chuta para fora automaticamente. O CEO, enquanto isso, se acha genial e festeja, de champanha na mão, o corte de custos.

Sobre José Francisco Schuster (76 artigos)
Com quase 40 anos de experiência como jornalista, Schuster atuou em grandes jornais, revistas, emissoras de rádio e TV no Brasil. Ao longo dos últimos 10 anos, tem produzido programas de rádio para a comunidade brasileira no Canadá, como o "Fala, Brasil" e o "Noites da CHIN - Brasil". Schuster agora comanda o programa "Fala Toronto", nos estúdios do Jornal de Toronto.

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