Uma reflexão sobre a segurança e os benefícios da vacinação
Gui Freitas é colunista do Jornal de Toronto
Há relatos de que o estudo sobre as vacinas iniciou no Oriente 1000 anos antes de Cristo, mas apenas em 1789 a primeira vacina foi desenvolvida. Ela surgiu da observação que pessoas que cuidavam de animais infectados com o vírus tinham mais dificuldade de serem infectados pela doença, e quando infectados, desenvolviam formas leves e não morriam. A medicina foi evoluindo, cada vez mais pessoas foram vacinadas, até que em 1979 a varíola foi considerada erradicada do planeta.
Essa primeira vacina usava a inoculação do vírus vivo, com a diferença que não era o humano, mas sim o bovino. O segundo grande passo foi o uso do vírus humano atenuado, na vacina contra a febre-amarela, em 1937. A partir daí, o estudo das vacinas foi se desenvolvendo cada vez mais, visando aumentar a eficácia e diminuir os efeitos colaterais, sendo a década de 80 um divisor de águas, com o desenvolvimento das vacinas usando técnicas de DNA recombinante e partículas virais.
Assim, surgiram várias vacinas que foram amplamente usadas em todo o mundo. Não há um calendário de vacinação universal. As vacinas levam em consideração a incidência e prevalência das doenças em cada país. Por isso, a criança que nasce no Brasil toma a BCG na primeira semana de vida e no Canadá ela não está incluída no calendário vacinal desde o começo da década de 70, quando foi considerada erradicada do país.
As vacinas têm uma função coletiva e uma individual, que continuam sendo as mesmas de 233 anos atrás: diminuir o número de pessoas infectadas na população e evitar a forma grave da doença. Vamos refletir agora sobre os principais questionamentos envolvendo a vacina contra o Covid-19.
Sem aprofundar muito, já somos capazes de dizer que ela cumpre essa função. Após 2 doses da vacina, poucos pacientes necessitaram de UTI e houve uma diminuição significativa da mortalidade. Quanto ao questionamento dos efeitos colaterais imediatos da vacina, eles correspondem à resposta imunológica de cada indivíduo. Antes de toda essa polêmica, eu não me lembro de ouvir pais dizendo que não vacinariam mais seus filhos porque a BCG fez uma ferida que saiu pus, ou porque passou uma noite sem dormir com o filho com febre após a vacina contra o tétano. E sobre o fato de menos crianças terem morrido de Covid-19, lembramos que existe também o fator da imunidade coletiva. Só é possível erradicar uma doença quando próximo à totalidade de sua população está vacinada. E individualmente, mesmo sendo menor a incidência de formas graves em crianças, ela existe e deve ser evitada.
Outro fator muito discutido foi o fato de ter sido desenvolvida em tempo curto e que não sabemos os efeitos a longo prazo. Hoje temos muito mais tecnologias disponíveis para desenvolver e testar as vacinas do que há 100 anos. Várias etapas de desenvolvimento já estão estabelecidas, economizando anos de estudo. Realmente, não temos como prever quais serão os efeitos da vacina no decorrer dos anos, apesar de eu desconhecer uma vacina que tenha apresentado algum efeito catastrófico no decorrer do tempo. Geralmente os efeitos colaterais – incluindo os graves como miocardite, encefalite e síndrome de Guillain-Barré – ocorrem logo após a administração da vacina, sendo também encontradas em outras vacinas já estabelecidas no calendário vacinal.
Para finalizar, a reflexão que deixo é que podemos vacinar agora, e evitar a forma grave de uma doença que impacta nossas vidas emocionalmente, financeiramente e com risco de morte, e esperar para tratar algum efeito colateral que possa surgir, ou podemos aguardar a seleção natural e, se sobreviveremos, observar o que ocorreu com quem se vacinou.
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