Voto distrital causa distorção na composição do parlamento

O sistema eleitoral do Canadá pode ensinar ao Brasil as consequências de adotar o voto distrital

Foto: Dezalb.

José Francisco Schuster é colunista do Jornal de Toronto

O sistema eleitoral do Canadá pode ensinar ao Brasil as consequências de adotar o voto distrital, que lá passou a ser conhecido como “distritão”, e que nada mais é que a eleição de um candidato por maioria simples, descartando-se os votos dos candidatos perdedores. No Brasil, é por maioria que são eleitos os candidatos a cargos majoritários (presidente, governadores, prefeitos e até senadores), mas para deputados federais, estaduais e vereadores adota-se o voto proporcional, ou seja, cada partido obtém um número de representantes proporcional ao número de eleitores.

Já no Canadá, cada um dos 338 distritos eleitorais elege um deputado federal, e algo equivalente ocorre nas eleições provinciais. Nas eleições municipais, não há partidos, então cada candidato a vereador concorre isoladamente. Portanto, nas eleições federais, como a que ocorreu em 20 de setembro passado, cada partido pôde indicar um candidato em cada distrito. O com maior número de votos, obtém a cadeira no Parlamento. Por esse sistema, teoricamente, se em todos os distritos houvesse uma votação igual, com 50,1% dos votos em candidatos do partido X e 49,9% dos votos para o partido Y, o partido X ficaria com todas as 338 cadeiras do Parlamento do Canadá e o partido Y, que perdeu por uma migalha, ficaria com zero. No Brasil, com as eleições proporcionais, os dois partidos teriam representação praticamente igual na Câmara.

O Congresso Nacional do Brasil já discutiu e rejeitou o distritão em 2015 e 2017, mas o tema voltou à pauta este ano. Para especialistas brasileiros, o sistema é um retrocesso por promover “políticos-celebridades” – ou seja, os mais conhecidos –, por favorecer os candidatos que têm mais dinheiro, por enfraquecer os partidos políticos, por dificultar a renovação das casas legislativas e por descartar os votos em candidatos que foram derrotados.

Vejamos o que aconteceu no Canadá nas últimas eleições: na verdade, o voto distrital nos salvou de termos um governo do Partido Conservador (direita), que foi quem obteve mais votos, com 33,70% do total, contra 32,60% do Partido Liberal (centro). Contudo, Justin Trudeau foi reeleito primeiro-ministro, porque os Liberais venceram em 47,30% dos distritos (160 cadeiras) e os Conservadores em 35,20%, ficando com apenas 119 cadeiras. A explicação é de que os Conservadores se concentram em distritos mais populosos, fazendo com que o voto “valha menos” e os Liberais estão mais espalhados pelo país, garantindo votos para vencer em mais distritos.

O voto distrital também fez com que o NDP (esquerda), com 17,80% dos eleitores, sendo o terceiro em percentagem, obtivesse apenas 25 cadeiras. Enquanto isso, o Bloc Québécois, partido específico do Quebec, com apenas 7,60% dos eleitores, conquistasse 32 cadeiras do Parlamento do Canadá.

É bom lembrar que a Câmara de Deputados no Brasil também tem sua distorção de representatividade, com as limitações constitucionais de mínimo e máximo de deputados federais por estado. Assim, Roraima, com apenas 343 mil eleitores, tem oito deputados (o mínimo), enquanto São Paulo, com 31.777 milhões de eleitores, conta com 70 (o máximo). Assim, um deputado de Roraima representa 42 mil eleitores, enquanto cada deputado federal paulista leva a voz de 454 mil eleitores, dez vezes mais. O questionamento quanto a isto nunca foi significativo.

Assim, a justa representatividade do voto do eleitor é tema a ser debatido no mundo inteiro, e encontrar um sistema que reflita mais adequadamente os resultados das urnas é tarefa árdua. Seguramente, quem se beneficia de um sistema não quer vê-lo alterado, mas o partido pode acabar vítima da distorção nas eleições seguintes, e então reclamará. Como todo debate sobre o funcionamento dos poderes é feito pelos próprios interessados, sempre será algo polêmico de tratar e difícil de chegar ao resultado esperado.

Sobre José Francisco Schuster (76 artigos)
Com quase 40 anos de experiência como jornalista, Schuster atuou em grandes jornais, revistas, emissoras de rádio e TV no Brasil. Ao longo dos últimos 10 anos, tem produzido programas de rádio para a comunidade brasileira no Canadá, como o "Fala, Brasil" e o "Noites da CHIN - Brasil". Schuster agora comanda o programa "Fala Toronto", nos estúdios do Jornal de Toronto.

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