Trabalho, tecnologia e o futuro da democracia liberal

“o tempo cura todas as feridas, exceto a do desemprego”

Projeto "Pimp My Carroça" no Vale do Anhangabaú, em São Paulo. Foto: Circuito Fora do Eixo.

André Oliveira Rodolfo Marques são colunistas do Jornal de Toronto

No livro Utopia para Realistas: como construir um mundo melhor, o historiador holandês Rutger Bregman defende enfaticamente a adoção de uma renda mínima universal para os excluídos da globalização econômica. Recorda que estudos de psicólogos atestam que o desemprego prolongado afeta mais o bem-estar das pessoas do que a perda de um ente querido. E acrescenta: “o tempo cura todas as feridas, exceto a do desemprego”.

No mundo globalizado, a tecnologia da informação destrói e, ao mesmo tempo, cria milhares de empregos. É o que os entusiastas do livre mercado classificam como “destruição criativa schumpteriana” (alusão à ideia do economista Joseph Schumpeter descrita no livro Capitalismo, Socialismo e Democracia), o mecanismo que permite ao capitalismo se reinventar incessantemente. O carro substituiu a carroça, o computador tomou o lugar da máquina de escrever, carros elétricos devem substituir carros movidos à combustão, e assim por diante. Imaginar retroceder ao passado pré-internet seria como recuar à barbárie, desperdiçando-se os ganhos provenientes das novas tecnologias.

A democracia representativa do tipo liberal se compatibiliza com a economia de livre mercado, como demonstra a experiência histórica, mas há um grave problema no horizonte: milhões de pessoas ficaram para trás na aquisição das habilidades requeridas pelas novas tecnologias, criando sérias barreiras à obtenção de empregos, sobretudo os mais bem remunerados e, portanto, cobiçados. Existem as habilidades técnicas (hard skills) e as competências comportamentais (soft skills), ambas relevantes nesse processo.

Nesse contexto, a solução proposta por Rutger Bregman pode ser uma alternativa à manutenção da estabilidade da democracia representativa tal como hoje a conhecemos. A perda da confiança coletiva na capacidade das instituições democráticas em gerar riqueza econômica enseja a ascensão de líderes autoritários – a economia e o bem-estar das pessoas importam para a democracia.    

Não custa recordar que mesmo o temido neoliberal Friedrich Hayek defendeu o programa de renda mínima britânico no livro O Caminho da Servidão. No Brasil, partidos de nítido recorte liberal, como o NOVO, sustentam a necessidade de se adotar programas de renda mínima que proteja os excluídos socialmente. Pode-se dizer que já há um consenso formado no país neste sentido. 

Tudo bem ponderado, a utopia de uma renda mínima universal de Rutger Bregman talvez já tenha pavimentado um caminho sem que tenha se tornado perceptível para todos.

Sobre André Oliveira & Rodolfo Marques (37 artigos)
André Oliveira (à esquerda) é advogado com especialização em Direito Público, doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco e membro da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) desde 2009. Rodolfo Marques é analista judiciário, publicitário e jornalista; Mestre (UFPA) e Doutor (UFRGS) em Ciência Política, e professor de Comunicação Social na Universidade da Amazônia e na Faculdade de Estudos Avançados do Pará.

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