Revelações da pandemia
Cristiano de Oliveira é colunista do Jornal de Toronto
A pandemia virou de cabeça pra baixo a vida daqueles que foram infectados e suas famílias – a nós, felizardos que por enquanto escapamos do vírus, ela dificultou as coisas um pouco, mas longe de querer comparar com a situação de quem foi diretamente afetado – a eles, a minha imensa solidariedade.
Pois aqui estamos nós, caminhando pra praticamente um ano inteiro nessa toada. Alguns vendo sua situação financeira se decompor, outros vendo sua saúde mental se deteriorando. E muitos de nós vendo as duas coisas ao mesmo tempo, ou seja, além de feios, agora também somos depressivos e quebrados – se você é daqueles que foge de casamento, pode finalmente descansar, pois ninguém mais há de lhe propor esse tipo de coisa. Mas é importante lembrar que uma situação tão única na nossa história também tem o poder de revelar coisas que dificilmente descobriríamos em outras situações.
Primeiramente, você nota que realmente a mídia social é uma péssima fonte de fofoca. A partir do momento em que sua convivência com as pessoas passa a ocorrer muito mais acompanhando postagem do que em mesa de bar, você passa a perceber que tem algo errado e que as mídias sociais não estão provendo informação fofocatícia de qualidade: segundo minuciosa análise da maioria das postagens, todo mundo se deu bem na pandemia. Essa pesquisa eleitoral tá meio esquisita, pois tá dando vitória do candidato do partido Arrasamos com 100% dos votos em cima do candidato do partido Lasquemos. Segundo as mídias sociais, quem não passou o verão em algum lugar paradisíaco, passou em muito boa companhia ou passou com muito dinheiro no bolso. É felicidade demais, o que pode levar à conclusão de que excesso de álcool, live de cantor sertanejo e falta do que fazer gerou rachadura na junta do cabeçote de alguns. A sanidade mental vale ouro, mas a de muita gente já não está valendo nem um maço de Arizona.
Fica claro também que a situação trabalhista de todo mundo está ruim, o que nos leva a pensar que no fundo quem estava certo era o Ed Motta, que não nasceu pra trabalho. Enquanto alguns têm que ir pro serviço todo dia, encarando o risco de serem atacados por Tião Covid, além de gastar com condução e almoço, outros trabalham de casa e começam a perceber que o horário de almoço escorregou lentamente pras 6 da tarde, e que o chefe tá ficando cada vez mais à vontade de telefonar às 9 da noite. Fora aqueles que nem trabalho tem mais. Nessa hora, é preciso tentar enxergar o lado positivo das coisas: aos que têm que ir ao trabalho todo dia, protejam-se e tirem proveito do fato de que o trânsito está um pouco melhor, e de que dar uma saída todo dia faz bem pra cabeça. Aos que estão sem emprego, calma que ele aparece, e enquanto isso vocês podem fazer aula online de qualquer coisa que der na telha, além de possuírem os armários mais arrumados da cidade – já me deu inveja! E aos que estão trabalhando de casa, lembrem-se de que é possível amarrar o mouse do computador num ventilador que mexe pros lados, e daí seu status no sistema nunca mudará pra “away”!
No meu pequeno mundinho, eu verifiquei que, apesar de a tecnologia ter evoluído a passos largos ao longo dos anos, seus usuários ainda estão tentando entender o jogo da cobrinha do celular Nokia. O momento em que as empresas optaram por enviar seus funcionários para trabalhar de casa foi equivalente ao momento em que o Didi pega o extintor de incêndio de pó químico nos Trapalhões. Legiões de jogadores de Paciência de repente estavam em casa dispostos a conectar seus computadores de trabalho às suas conexões de internet caseiras nos planos “Netflix e Olhe Lá”, “O Que Cobrar Ês Paga” ou “Fibras Óticas do Povo Morô Hahái”. Aos profissionais de suporte, esses valentes guerreiros, restou anotar em suas memórias as frases mais marcantes pronunciadas durante esta pandemia, que foram desde “Ó! Tava desligado, cê acredita?”, até “Não sei o que é esse tal de wi-fi não, tenho que esperar meu menino chegar em casa”.
Um excelente Natal e Ano Novo pra todos vocês. Vamos dar uma moral pra todos os produtos e serviços dos quais gostamos, pra que ao fim desses tempos doidos eles ainda estejam de pé – o Jornal de Toronto é um deles, inclusive! Que 2021 traga só trem bom pra nós, e que eu possa voltar a beber em bar, porque em casa o preço tá muito bom e meu fígado tá virando paçoca.
Adeus, cinco letras que choram.
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