Notícias da Baixada – Ano XVI

Não interessa o produto, basta falar que veio de fora e todo mundo se derrete e diz ailoviú.

Ilustração de Fabio Ludesi.

Cristiano de Oliveira é colunista do Jornal de Toronto

A todos, um feliz ano novo. Espero que tenham virado o ano em situação melhor que meu irmão e minha irmã, que fizeram um réveillon pros amigos só com cerveja da Backer. Agora tá todo mundo estressado e já achando que qualquer pereba na perna é sinal de intoxicação letal.

Eu estive no Brasil pra minha tradicional visita de fim de ano, e conforme contei na edição passada, esse ano a viagem contou com o fator esquisito e triste da ausência da minha avó. Ao mesmo tempo, ao ver a família toda junta, mantendo a tradição de se reunir sempre, sem nenhuma divergência política ou religiosa (só divergência futebolística mesmo, mas sem provocações), e ninguém brigado com ninguém, eu concluí que o trabalho dela foi tão bem feito que por vezes parece que ela ainda está ali, amalgamando-nos com sua presença.

Ilustração de Fabio Ludesi.

E na praça, a gourmetização continua. Não interessa o produto, basta falar que veio de fora e todo mundo se derrete e diz ailoviú. Budweiser continua sendo uma cerveja chique. Todo mundo adora a Schincariol da garrafa verde, que o brasileiro chama de Ráinique e diz ser a melhor coisa do mundo… até daqui a dois meses, quando a modinha virar. Mas o que mais doeu foi saber que o bom e velho Chico do Churrasco, um barzão gigante lá no bairro Caiçara… agora virou Caiçara Grill! É muita breguice. Trocar um nome raiz e histórico por um anglicismo patético usado por 90% dos restaurantes que servem carne? Um pequeno exemplo de um fenômeno bem maior: aos poucos, o brasileiro vai deixando sua até então imbatível criatividade se esvair, em nome do desejo louco de copiar alguém mais rico. A vontade de ser diferenciadão ainda está lá firme, todo mundo quer se destacar no meio da multidão. Mas ninguém sabe como, e todo mundo faz do jeito errado. Globalização ou preguiça de pensar?

O que mais me chamou atenção, no entanto, foi como a cultura está se desintegrando sob total anuência de todos. Achar bons filmes brasileiros pra comprar virou luta. Em arquivo digital, não vi ninguém vendendo. Em DVD, o filme nacional chegou ao seu Momento Caprichosos de Pilares: quem comeu, comeu, quem não comeu não come mais. Acabou. Restará assistir ao que a plataforma de streaming autorizar.

Ilustração de Fabio Ludesi.

Nas poucas livrarias ainda existentes, você só vê livro de estudo pra concurso, autoajuda, biografia e livro estrangeiro. Quase caí pra trás ao ver, bem na entrada da Saraiva, o livro Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas! Por mais que eu preze os clássicos, é muita sacanagem com a produção literária nacional colocar, como destaque da loja, um livro estrangeiro de autoajuda originalmente escrito na parede de uma caverna usando um toco de carvão. Daí todos dizem: “ah, mas é que agora é tudo online”. Não, não é. Dados mostram que o ebook tem só 1% do mercado literário no Brasil. Então o livro de papel reina? Reina como o Rei Chiuaua no Planeta Gato: ele pode ainda ser o maior na categoria, mas onde está a categoria? Os estoques das livrarias, online ou não, vivem vazios. Encontrar determinado livro virou uma luta árdua. Estará o livro no mesmo caminho dos filmes e suas plataformas de streaming? Será que, por fim, leremos só o que a livraria autorizar?

E apesar de tudo, eu adoro aquilo lá. Já era pra ter largado desse vício, mas é mais forte que eu.

Adeus, cinco letras que choram.

Sobre Cristiano de Oliveira (30 artigos)
Cristiano é mineiro, atleticano de passar mal, formado em Ciência da Computação no Brasil e pós-graduado em Marketing Management no Canadá. Foi colunista do jornal Brasil News por 12 anos. É um grande cronista do samba e das letras.

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