Estamos enterrando de novo João Gilberto?
José Francisco Schuster é colunista do Jornal de Toronto
Imaginava que, com a internet, os compositores, cantores e músicos, através das plataformas online, haviam alcançado a liberdade de criação e execução do que bem quisessem, ao eliminar-se a imposição das gravadoras. O tempo em que os executivos dessas empresas ditavam o gosto nacional, onde elegiam quem merecia apoio e quem seria sucesso ou não, havia acabado. Entretanto, em entrevistas que realizei recentemente com artistas, revelaram que o problema, incrivelmente, persiste.
Oriundos da diversidade de ritmos que possui o Brasil, uns tomaram gosto pela Bossa Nova, outros pela MPB, terceiros pelo pop-rock, e assim por diante. Contudo, músicos dizem que invariavelmente têm ouvido de donos de bares e restaurantes, porta de entrada para os primeiros shows, a seguinte observação: “Muito bom, mas dava pra tocar sertanejo?”. E ainda justificam: “É o que os jovens gostam”. Se há verdade nisso, pode ser fundada no destaque que emissoras de rádio e de TV dão ao sertanejo, e certamente por trás disso está a força econômica do interior paulista. Enfim, a imposição continua, sob nova roupagem.
Nada contra o sertanejo, nem a nenhum ritmo brasileiro, todos com o seu valor de expressão cultural e suas virtudes. O condenável são os jogos sujos de bastidores que, como em outras áreas, tentam manipular a opinião nacional. Cada ritmo deve vir para agregar à cultura, ocupando seu justo espaço, e não como erva daninha, para destruir o que encontra por diante.
A bem de ter onde mostrar sua arte, há novos músicos que sucumbem aos desejos dos patrões e obrigam-se a tocar sertanejo, embora não tivessem contato com o ritmo antes, e até a eliminar o resto de seu repertório. Entrevistei, porém, uma cantora que fez questão de se manter fiel à Bossa Nova. A alternativa que lhe restou para isso foi fazer shows no exterior, onde o público brasileiro dá o devido valor ao estilo, como o fazem os estrangeiros. “Das milhares de rádios no Brasil, hoje apenas duas são especializadas em Bossa Nova”, lamentou ela.
Assim, um ritmo que projetou o Brasil para o mundo e que é reverenciado pelos jazzistas está sendo enterrado no país que o criou, junto com o recente falecimento de João Gilberto, um dos líderes do inovador movimento dos anos 50, ao lado de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. E não só ele, MPB e pop-rock nacional sofrem o mesmo triste risco. O Brasil segue a sina de negar sua memória cultural e de não valorizar o ouro que tem nas mãos, deixando-o escorrer entre os dedos.
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